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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma crítica da ignorância pura!


Ser ignorante, para o senso comum, normalmente quer significar aquela pessoa arrogante, ríspida, estúpida. Porém devemos procurar compreender um sentido anterior a esse e que o justifica. Ao longo da história da Filosofia, por exemplo, muitos esforços foram feitos na tentativa de definição do conhecimento e de como se chega a ele, se isso é possível ou não. A ignorância sempre foi tratada marginalmente, como que por oposição ao tema principal, ou seja, o conhecimento. No entanto, a ignorância de que tratamos não diz respeito àquela dos céticos e agnósticos que se definiria pela ignorância de um princípio do conhecimento verdadeiro, pois estes utilizam-se de argumentos racionais, coerentes para defender o perpétuo estado de ignorância do homem diante da possibilidade de tal conhecimento. Nem é, também a docta ignorantia (douta ignorância/ignorância sábia) socrática e posteriormente abordada pelo moderno Nicolau de Cusa, filósofo cristão autor da "Doutrina da Douta Ignorância". Essa ignorância é proposta em sentido positivo, ao passo que procura tornar evidente a contingência do conhecimento humano, mais complexamente tratada por Immanuel Kant, que procura estabelecer as possibilidades que o homem tem de conhecer. Essa positividade consiste, então, em afirmar que, embora haja conhecimento, o homem sempre ignorará algo, e a consciência desse fato o impulsina a querer conhecer o quanto possível, mas consciente de que será impossível compreender tudo. Porém, pode-se dizer que embora não se possa conhecer tudo é possível conhecer tudo aquilo que se pode. Decorre, ainda, que o conhecimento muitas vezes relegado ao terreno da teoria, tem fortes implicações na práxis, quer na construção das identidades pessoais, no convívio social e na vida política, nas concepções estéticas e éticas, nas práticas religiosas...A ignorância pode assumir, também, uma negatividade, e é a essa vertente que queremos nos deter.
A ignorância negativa pode configurar-se como um problema antropológico, ao passo que influi diretamente na formação do indivíduo, limitando-o, tornando-o eternamente dependente dos mais sábios que ele, acrítico, alienado, pouco autônomo; crê-se, falsamente, incapaz de escolher o que fazer com o que fazem dele, o que se constitui como negação da própria existência, de acordo com Sartre. Uma vez que esse fenômeno é algo voluntário - escolher não saber - o homem se apequena e diminui-se em dignidade, pois não querer saber é pior que não saber por falta de possibilidade, mas não de vontade. Até mesmo a sensibilidade estética pode ser afetada pela ignorância; basta vermos como algumas "músicas" que ganham notoriedade e popularidade rapidamente são vazias de significados, muitas não demonstram nenhuma conotação artística, e qualquer uma que os possua é mal vista pela grande maioria. Sabe-se que a arte pode ser puro entretenimento, mas também há uma arte, digamos, consciente de seus sentidos, seus significados, e mesmo de função social, mas, infelizmente, para essa arte há, hoje, pouco espaço. No campo da ética o problema evolui da questão antropológica, uma vez que como o homem voluntariamente ignorante se apequena, ele tem necessidade de negar qualquer alteridade, uma vez que o outro pode evidenciar a precariedade de seu estado ignorante. Em decorrência disso surgem alguns dilemas morais e posteriormente éticos, pois quem tem uma visão egocêntrica de mundo dificilmente será ético, porque incapaz de perceber o outro. No âmbito religioso a ignorância pode provocar problemas para dentro e para fora dos grupos religiosos. Os problemas internos podem identificar-se com a superficialidade de seus membros que, não raras vezes, não têm clareza dos princípios, da racionalidade, dos fundamentos de seu grupo religioso. Além, é claro, do grande benefício que prestam aos empresários da fé. De outro lado há o perigo externo que se atrela à questão do fundamentalismo, uma vez que as leituras fundamentalistas de princípios religiosos sofrem do mal do etnocentrismo, que é a versão coletivo-cultural da visão egocêntrica que tratamos há pouco. Infelizmente constatamos que há uma proliferação da ignorância negativa na sociedade contemporânea e poucos esforços para despertar a curiosidade motora do ser humano. Todos somos ignorantes, em certo grau  e em certa medida, mas cabe a cada um escolher o que fazer com a própria ignorância. É emblemático o "imortal" mito (ou alegoria) da caverna de Platão. Há quem se acostume com as sombras e só a muito custo alguns ousam virar-se para trás e enxergar a realidade com mais clareza e com mais, e maior, consciência de si mesmo e do mundo.