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domingo, 3 de abril de 2011

O março infelizmente esquecido!


Contando do último dia 31 de março, há 47 anos membros das Forças Armadas davam início ao que se tornaria o período mais negro da história recente do Brasil: a ditadura militar. A elite brasileira encarara as porpostas reformistas de João Goulart como uma ameaça à ordem, já que pretendia promover mudanças significativas na economia, na educação, na estrutura agrária. Em março de 1964, dias antes do golpe, setores conservadores da sociedade brasileira promoveram a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, onde milhares se reuniram para levantar a voz contra o perigo comunista que, segundo eles, João Goulart representava. Dias depois, em 31 de março daquele ano, os militares saem às ruas, tomam o poder. estava instalado o regime militar que duraria, aproximadamente, duas décadas inteiras.
O regime não tardou a tomar suas providências para governar autoritariamente o país, cassando deputados, dissolvendo partidos políticos, intervindo nos sindicatos. Para além dessas medidas impostas há uma série de atividades "não oficiais" que entram em curso nesse período. É notório que tal intervenção militar na política e na vida dos brasileiros não demorou a encontrar resistência, e, contra ela, o regime agia de maneira impiedosa e cruel. Os grupos de resistência foram rapidamente taxados de inimigos da Nação, comunistas (como se por princípio ser comunista equivalesse a ser mau). Surgem os Comandos de Caça aos Comunistas, as insituições de vigilância das atividades das pessoas, como o DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), a OBAN (Operação Bandeirantes) e vários outros mecanismos de repressão.
O DOPS era, na verdade, como relata Frei Betto em seu livro "Batismo de Sangue", uma sucursal do inferno. Era um dos lugares onde os militares prendiam ativistas políticos de esquerda, contrários ao regime, e lhes aplicavam toda sorte de métodos de tortura, os mais desumanos possíveis, a fim de fazê-los delatar companheiros de resistência, confessar crimes que não haviam cometido... Nesse desesperado anseio de conter os resistentes a mera suspeita, por mais infundada que fosse, era suficiente para que as pessoas tivessem suas casas invadidas, seus pertences revirados, sua liberdade cerceada, seus corpos mutilados. Há ainda um sem número de pessoas que sumiram sem qualquer explicação, e que recentemente tem-se descoberto seu paradeiro, ou melhor, suas ossadas em cemitérios clandestinos. Milhares e milhares de desaparecidos.

De um lado a grande maioria da elite brasileira (que era- e é - a menor parte da população) contenta-se com a "ordem" social garantida pela ditadura militar; de outro, a grande maioria vive acuada, com medo, insegura, sem voz. O único eco de resistência e divergência vinha da atividade de movimentos sociais, de alguns setores progressistas das Igrejas, movimentos revolucionários, que pacificamente ou de maneira armada lutavam contra a repressão.
O que é triste e absurdo no Brasil é que, embora esse cenário seja historicamente recente, há um profundo desconhecimento do que se passou no país há menos de 50 anos. E se não bastasse essa ignorância, quando se trata do assunto trata-se da perspectiva militar de "revolução de 64", o que é um equívoco desmesurado, e que infelizmente se reproduz em alguns livros didáticos. E ainda pior...desde meados dos anos 1980, quando findou-se a famigerada ditadura, nada foi efetivamente investigado, ninguém foi punido. E o Brasil vive a triste amnésia de um período de sua história que deveria estar presente em todas as mentes. Está em discussão a instalação de uma Comissão da Verdade para que se investigue o que aconteceu no período ditatorial. Mas equivocadamente, os responsáveis têm salientado que o papel dessa Comissão não é punir, mas dar o direito, legítimo, de famílias sepultarem devidamente seus mortos. Digo que é equívico não punir porque a ditadura foi criminosa, tornou o Estado criminoso. Alguns militares e direitistas de plantão alegam que se for para punir militares há que punir, também, guerrilheiros. Isso é falácia! As guerrilhas e outras atividades surgiram como resistência ao assassínio, sequestro e tortura institucionalizados no regime militar. Não se pode confundir os papéis. A pequena e débil democracia brasileira não foi entregue deliberadamente pelos militares, mas deve-se, sobretudo, à ação social e política dos movimentos de oposição e resistência; fato que procuram negar.
Na Argentina, que também viveu um período negro como o nosso, há uma política sistemática de investigação e punição dos responsáveis por crimes de Estado no período da ditadura argentina. Há um dia Nacional da Memória em que recorda-se o que passou para poderem dizer que "Nunca Mais!" e pedem juízo e castigo para os responsáveis. Quiçá a integração que o Brasil tem buscado economicamente com países como a Argentina se traduzam também numa integração política, social e cultural, onde se possam aprender mutuamente práticas de justiça para ontem, para hoje e para amanhã.