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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ditadura de mercado e pseudo-democracia!!


A maioria da população está acostumada a pensar em democracia apenas nas épocas eleitorais, o que prejudica a compreensão e a discussão sobre o que seria, de fato, uma sociedade democrática. Pensar a democracia neste século é um desafio premente e irrenunciável, uma vez que uma série de ações político-militares têm ocorrido justificando-se como promotoras e defensoras da democracia, combatentes das ditaduras, mas que, seriamente, são altamente questionáveis. Esses questionamentos são necessários pelo fato de se constatar que são utilizados rasa e erroneamente os conceitos de ditadura e democracia. Dizemos que são utilizados levianamente porque vemos que governos eleitos legitimamente são apontados e acusados como ditadores, ao passo que se louvam as dissoluções de governos eleitos como algo democrático. As questões postas são: por que e quem é caracterizado como ditador? E que modelo de democracia se pretende promover? Numa análise simples constatamos que há um perfil e características políticas e econômicas que definem um ditador no discurso dominante. O ditador é sempre algum governante que se opõe às políticas neoliberais do Norte, são médios ou grandes produtores de petróleo e que ainda não são dominados pelos EUA, como a Venezuela e o Irã, por exemplo. É claro que esses países, como o nosso, tem seus problemas, mas em princípio taxar-lhes de ditatoriais é uma leitura rasa, ou melhor, uma estratégia das grandes potências. Essa taxação não é simplesmente uma idéia, mas tem transformado-se corriqueiramente em invasões que se travestem de ocupações pró-democracia, quando na verdade seus interesses são o domínio das reservas de petróleo. Hoje a Venezuela possui a primeira e o Irã possui a terceira maior reserva de petróleo da OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo); juntos somam 37,5% das reservas da Organização. E de acordo com a página de internet da revista Exame (http://exame.abril.com.br/economia/meio-ambiente-e-energia/infograficos/noticias/os-maiores-produtores-e-consumidores-de-petroleo-do-mundo) o maior consumidor são os Estados Unidos, seguidos pelo grupo da União Europeia. Ora, são esses os que vêm reiteradamente acusando os governos venezuelano e iraniano e financiando movimentos insurgentes e golpistas, esforçando-se em convencer a chamada Comunidade Internacional a aceitar a imposição de sanções a esses países. A ONU, principalmente em seu Conselho de Segurança, torna-se uma entidade esvaziada e uma instância de legitimação dos interesses das grandes potências, que ocupam assentos permanentes no Conselho. A lógica é relativamente simples: tenta-se convencer o mundo inteiro de que esses países precisam da ajuda dos “arautos da democracia”, a mídia cumpre sua função de usar repetidamente esses mesmos termos para adestrar a massa e coptar sua consciência, invade-se os países, infere-se em sua organização nacional, instaura-se um governo “de transição” que garanta as vantagens comerciais aos invasores e lhes seja obediente e dependente, como é o caso mais recente da Líbia. Depois, volta-se a um movimento de convencimento de que caiu uma ditadura e foi triunfalmente instalada a democracia. Faz-se importante recordar, a essa altura, que democracia nunca significou a interferência externa nas decisões que dizem respeito àquela sociedade determinada. Nesse sentido vale analisar, agora, o que, paradoxalmente, não figura nos discursos oficiais como atentados às democracias, mas que tem se demonstrado uma verdadeira ditadura: a ditadura do mercado.

Nos últimos dois meses assistimos a exemplos bastante claros de como a economia global capitalista tem subordinado os países, destruindo sua soberania. Fixemo-nos na Itália e na Grécia. Na Itália, nenhum dos escândalos, tanto pessoais quanto políticos, foram suficientes para afastar o então primeiro ministro Silvio Berlusconi do poder, até que o mercado “entendeu” que sua permanência não faria bem à economia, o que o fez apresentar sua demissão e abriu caminho para o novo chefe de governo, Mario Monti, um economista pragmático que já acenou para um aprofundamento dos ajustes ficais e medidas de “austeridade”. O caso grego é anterior e análogo, mas com algo que merece destaque por desnudar a tensão, e mesmo oposição, ente o capitalismo e a democracia. George Papanderou, então primeiro ministro grego, tinha, como tarefa imposta pela União Européia, mais especificamente pelos membros da Zona do Euro, e ainda mais precisamente, pressionado por França e Alemanha, adotar medidas que se impunham como condição para o “socorro” financeiro da Grécia. Porém, Papandreou anunciou que faria um referendo para consultar a população e saber se concordaria ou não com as medidas, e teria proferido a seguinte sentença: “primeiro a democracia, depois o mercado”. Foi o suficiente para que alguns dias depois o primeiro ministro perdesse seu cargo e fosse substituído por um tecnocrata, ex-presidente do Banco Central Europeu, Lucas Papademos, um dos que haviam saído com veemência a negar a realização do referendo. Consultar a população soou para os “gurus” do mercado como uma excrescência sem par. Mas não é isto, basicamente, a democracia: consultar constantemente a vontade da maioria no que se refere ao seu bem e destino comuns? A rejeição do referendo se compreende naquela tentativa de legitimar essas medidas impopulares e destrutivas, como têm apontado alguns sindicatos gregos, pois os que opinariam seriam aqueles que são vítimas da aplicação de um sistema de ajustes que tem provocado efeitos sociais extremamente danosos, como a falta de bens e serviços básicos. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo (Caderno Economia, segunda - feira, 08/11/2011 p. b3) na capital grega há problemas na coleta de lixo, o que tem exposto os cidadãos a riscos de saúde; há pessoas que já não podem pagar suas contas de luz, por não terem mais trabalho, e que passaram a valer-se de ligações clandestinas para ter acesso à energia elétrica domiciliar; há estudantes impossibilitados de comprar livros e outros materiais de estudo; problemas ignorados pelo governo e que têm exigido uma resposta solidária entre os próprios moradores. E como boa parte dos gregos tem consciência que os acontecimentos em seu país têm causa externa - embora conte com a servidão do governo grego – não é difícil imaginar qual seria o resultado do referendo. Na “lógica” do capitalismo neoliberal de mercado é preciso destruir a democracia para criar uma pseudo-democracia e convencer a todos de que é aquilo que não é. Cabe então, desmistificar essa falácia e evidenciar que democracia e capitalismo de mercado são coisas absolutamente distintas e antagônicas.