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domingo, 11 de março de 2012

Comissão da Verdade também tem que ser da Justiça!!!!


No último mês de Novembro (2011) foi promulgada a Lei nº 12.528/11, que cria a Comissão Nacional da Verdade. Embora seja um assunto de suma importância para toda a sociedade brasileira os grandes meios de comunicação se conformam em fazer pequenos e raros apontamentos sobre o tema. Assim mesmo, a referida Comissão pretende retomar, examinar e esclarecer aquilo que encontra-se, de certa forma esquecido e por vezes tergiversado, da história recente do Brasil: a ditadura militar,que contou  também com uma cumplicidade civil de alguns setores da sociedade e recebeu apoio de forças externas, a saber, da Operação Condor (plano de política externa dos EUA para a América Latina nos anos 60 e 70 do século passado).
A ditadura brasileira - que alguns setores conservadores desafortunadamente taxaram, alguma vez, de “ditabranda” – desenvolveu um forte aparato repressor que impossibilitava qualquer atividade e participação efetivamente democrática; institucionalizou uma política de “Segurança Nacional” que não tardou em traduzir-se em uma sistemática prática de violação de Direitos Humanos, crimes de genocídio e de lesa humanidade. É importante destacar que o que caracteriza essas violações e crimes é o seu caráter sistemático e mesmo institucional, com o que se configura inegavelmente aquela política de “Segurança Nacional”. Isso fez com que muitos que se opunham à ditadura fossem viver na clandestinidade, e é no marco da clandestinidade que vão surgir os diversos movimentos de resistência, que serão chamados pelo governo militar de “terroristas”.
No entanto, é necessário recordar que esses movimentos clandestinos se tornaram algo necessário não só para resistir ao regime ditatorial, mas também para garantir a sobrevivência de todos quantos encontravam-se constantemente ameaçados pelo Estado, e por organizações clandestinas, mas que também contavam com a participação massiva de militares, como os Comandos de Caça aos Comunistas. Esse apontamento se faz necessário porque, desde a promulgação da Lei de Anistia, de 1979, tem-se defendido uma tese equivocada de equivalência, ou seja, aqueles que foram presos, ou perderam outros direitos políticos e civis durante os períodos mais duros da ditadura foram anistiados, mas também os militares que eliminaram esses direitos, violaram os direitos humanos, cometendo crimes de genocídio e lesa humanidade. Afirmamos que essa equivalência não existe, pelo simples fato de os militares terem utilizado do aparato do Estado para reprimir a população civil e militares contrários à sua política.
Pelo dito, a Lei de Anistia (Lei Nº6.683/79) sofre inúmeras críticas, seja por movimentos de direitos humanos nacionais, seja por instituições externas, como a ONU (Organização das Nações Unidas), por meio de seu Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Essas críticas devem-se ao fato de que a Lei de Anistia anda na contramão do direito internacional, o que uma análise rápida da Declaração Universal dos Direitos Humanos deixa evidente. O Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional (também no marco das Nações Unidas), embora posterior e não retroativo, torna possível tipificar as ações praticadas pelo Estado Brasileiro durante a ditadura militar, como crimes de genocídio e contra a humanidade, e, sobretudo, afirmar sua imprescritibilidade.
Assim, de acordo com a legislação vigente, a Comissão da Verdade tem como limite “examinar e esclarecer [...] graves violações de direitos humanos”, mas não tem nenhum poder denunciante. Para que os responsáveis por essas violações sejam levados à Justiça, como vem acontecendo na Argentina nos últimos anos, é necessária a imediata revogação da Lei de Anistia, evocada pelos militares para afirmarem seu perdão, o que podemos entender como manutenção da impunidade. Nesse sentido é bastante relevante o que disse a alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos no ato de sanção da Lei que criou a Comissão da Verdade que “exortou ao Brasil a adotar medidas adicionais para facilitar o processamento dos supostos responsáveis por violações passadas aos direitos humanos compreendidas nos resultados do trabalho da Comissão. Tais medidas deveriam incluir a promulgação de novas leis para revogar a Lei de Anistia de 1979 ou declará-la inaplicável (grifo nosso), já que impede a investigação e o fim da impunidade por violações sérias dos direitos humanos, na contramão do direito internacional em matéria de direitos humanos” (tradução livre).

Fica então evidente que a questão de Justiça não é e nem pode, em hipótese alguma, ser confundida com revanchismo de esquerda – como já bem lembrou alguma vez a cidadã do MERCOSUL, grande expoente da luta pelos direitos humanos na Argentina, mais especificamente no que diz respeito à Memória, Verdade e Justiça, Estela de Carlotto (Presidente de Abuelas de la Plaza de Mayo): “os direitos humanos não têm lado, são de todos”. O fato de a própria ONU recomendar o juízo e o castigo dos responsáveis torna isso novamente evidente, porque ninguém que entenda minimamente de política diria que a ONU é uma organização esquerdista. Nesse sentido somamo-nos aos esforços e às vozes que vêm, ao longo dos anos, reivindicando que o Brasil assuma uma verdadeira e efetiva política de direitos humanos, e que nesse contexto a Comissão Nacional da Verdade seja, na realidade, da Memória, da Verdade e da Justiça, pois ao contrário do que setores conservadores da sociedade brasileira tentam fazer crer, ainda há feridas a sarar e injustiças a esclarecer, de modo que possamos ecoar um grito que se escuta ultimamente na Argentina: “Nem esquecimento nem perdão! Juízo e castigo”.

Referências:

Estatuto de Roma (Tribunal Penal Internacional/ONU): http://www2.mre.gov.br/dai/tpi.htm
Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, sobre a Comissão da Verdade (em Espanhol): http://www.ohchr.org/SP/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=11620&LangID=S