Acessos

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Democratizar os meios de comunicação!!!!



Há no Brasil um tema de substantiva importância que ainda se discute pouco, ou, pelo menos, ainda está bastante ocultado e não alcança a dimensão que lhe corresponde: a questão da mídia, da concentração midiática e da imperiosa necessidade de democratização dos meios. Essa discussão certamente toca em diversos interesses corporativos, de classe, portanto. A ausência desse debate compromete decisivamente uma efetiva e ampla democracia, uma vez que a informação, tanto em sua produção quanto no acesso a ela, é algo essencial para o desenvolvimento de uma sociedade efetivamente democrática no sentido lato do termo. Nessa discussão algo relevante é perguntarmos sobre a origem e a constituição dos meios de comunicação, que se transformaram em verdadeiros monopólios e/ou oligopólios, respondendo, assim, não à diversidade de opiniões e à pluralidade de vozes, mas a interesses das classes dominantes. Isso se evidencia, e mesmo se agrava, com as relações estreitas entre as maiores corporações midiáticas e governos ditatoriais. Um caso emblemático do que dizemos é a conhecida associação entre o magnata da comunicação Roberto Marinho e o governo ditatorial brasileiro, além das inúmeras irregularidades prováveis no processo de concessão da emissora. Outros veículos também mantiveram relações estreitas com a ditadura e serviam mesmo como veículo da propaganda oficial de “combate ao terrorismo” (leia-se oposição à ditadura). A maior parte da imprensa brasileira foi conivente com a ditadura e serviu de veículo condutor da sua famigerada e genocida política de segurança nacional, a tal ponto de que há diversos relatos históricos (escritos e/ou narrados) que atestam que jornais paulistas cediam seus carros para que o aparato repressor realizasse prisões arbitrárias e seqüestros. Nesse cenário, as concessões de radio e TV, as publicações de jornais e revistas foram concentrando-se cada vez mais em figuras e famílias que se dedicavam a defender a ditadura e combater o “comunismo”.  Uma visita ao acervo histórico da revista Veja, por exemplo, deixa evidente a ode que este meio fazia aos ditadores e o ódio de classe para com os trabalhadores e movimentos de resistência. Essa concentração midiática, porém, ultrapassou os limites da própria ditadura. Findando-se o dia ensangüentado que durou 21 anos, retornando a democracia política, permaneceu, porém, a ditadura da informação, ou seja, os meios de comunicação não sofreram os efeitos da democratização, permanecendo concentrados em grupos de famílias e mantendo o monopólio da informação. Mesmo a nova e atual Constituição Federal de 1988 não modificou substancialmente a estrutura comunicacional e midiática no Brasil. No entanto adverte que “Os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” (Art. 220, II, § 5º).
Esse cenário não é endêmico do Brasil, mas é sabido que em toda parte a grande imprensa hegemônica é composta por corporações monopólicas. Um país onde o enfrentamento dessa questão vem dando-se seriamente é o nosso vizinho: a Argentina. Notadamente um líder no que se refere à políticas de direitos humanos na região, também decidiu-se fortemente por uma política de democratização dos meios de comunicação audio-visuais. Duas medidas acertaram em cheio os interesses do maior grupo midiático argentino, o Grupo Clarín: a proposição e aprovação da Ley de Medios e a retomada pelo Estado da empresa Papel Prensa, responsável pela produção de papel jornal. Essa medida do governo kirchnertista vai absoluta e profundamente de encontro com os interesses econômicos do Clarín, que viu nessas medidas a perda de seus privilégios, o que, de pronto, resultou numa atitude militante oposicionista em relação aos Kirchner, primeiro Nestor, e agora Cristina. A tergiversação é, quase sempre, a linha editorial dos meios audio-visuais e escritos do grupo. Ler um fato no Clarín ou La Nación, pertencentes ao mesmo grupo e lê-lo em outro jornal como o Página 12 demonstra um abismo profundo. O modo como alguns jornalistas, que se classificam independentes (como se fosse possível), se referem ao governo e à pessoa de Cristina demonstram até certa hostilidade. Tentam, a qualquer custo, fazer crer que a Argentina está sob um governo autoritário que não respeita a liberdade de imprensa. Mas o fato é que a maioria esmagadora dos grupos midiáticos, inclusive alguns sócios do grupo Clarín em empresas de TV a cabo, apresentaram seus planos de adequação. O Grupo Clarín está praticamente só, contra a Ley de Medios. Daí pode-se concluir facilmente que, em definitiva, não é um ataque à liberdade de imprensa, mas uma política de democratização da produção e acesso à informação. Reiteradamente o Clarín recorre à SIP (Sociedade Interamericana de Prensa/Sociedade Interamericana de Imprensa) para que advogue pela liberdade de imprensa na Argentina. Porém, há que esclarecer que a SIP não é uma entidade de defesa da liberdade de expressão, uma entidade de jornalistas ou um órgão das Nações Unidas para o tema. A SIP é apenas e tão somente uma entidade que associa os donos dos jornais escritos das Américas, em outras palavras, os donos dos monopólios e/ou oligopólios da comunicação impressa. Resulta de fácil conclusão que quando a SIP se pronuncia não busca, verdadeiramente, defender a pluralidade e a liberdade de imprensa, mas os interesses corporativos de seus associados. Nesse sentido, as similaridades que se podem observar na postura clarinista e na postura dos meios dominantes brasileiros com relação ao governo não são mera coincidência, mas uma posição política e ideológica muito bem definida, e que representa a classe dominante latinoamericana, que se beneficiou das políticas liberais e neoliberais e que não tolera as mínimas mudanças que vêm acontecendo na região nos últimos anos.
Para falar localmente, mas pensando globalmente (como sugere em um de seus livros o grande Leonardo Boff), a imprensa brasileira faz ressoar em nossas terras a ideia de que a Ley de Medios argentina significa, sim, uma ameaça à liberdade de imprensa. Contudo, suas intenções se evidenciam numa pequena análise. Os monopólios e oligopólios midiáticos brasileiros enxergam com muito maus olhos a democratização do setor, de tal modo que atacando o governo argentino, e defendo os interesses de seu parceiro argentino, o Clarín, pretendem evitar que a discussão que se deu no país vizinho se instale também em nossa sociedade e que essa discussão faça emergir a necessidade premente de uma democratização legal dos meios. Por essa razão, a discussão sobre o controle social da mídia, previsto no polêmico PNDH 3 (Plano Nacional de Direitos Humanos), aparece timidamente na imprensa, e quando aparece é tratado, exatamente, como uma ameaça á liberdade de imprensa e um retrocesso na democracia. Uma leitura da Diretriz 22 do PNDH 3 demonstra que não há qualquer dispositivo que proponha o cerceamento da liberdade ou o controle e censura da mídia. O único item que poderia dar margem a tal interpretação foi revogado em 2010 (Decreto 7.177, de 12/05/2010). Todos os outros dispositivos dizem respeito à ampliação da produção e acesso à comunicação social, como produção regional de conteúdo, ampliação das licenças de rádios comunitárias, o que, de fato, não agrada aos donos do mercado da informação. Assim, que o chamado controle social da mídia prevê a defesa do direito à pluralidade, direito negado pela prática monopólica, mas garantido pela Constituição, e exigido por uma sociedade verdadeiramente democrática. Se considerarmos que 70% da mídia brasileira pertence a 6 famílias, como pode-se falar em verdadeira democracia quando alguns meios transformam a informação, a seu bel-prazer e de acordo com seus interesses, em verdadeiros dogmas de uma pequena oligarquia?
Personalidades como Julian Assange, fundador do site Wikileaks, Frank La Rue relator especial para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão (ONU), corroboram a tese de que é necessário superar a mentalidade mercantilista da comunicação e a concentração do mercado midiático e garantir o direito às mídias não corporativas, e, portanto, fora do espectro da classe dominante, com suas culturas e identidades. Para uma democracia de fato, que vá além do institucional, a democratização dos meios é mais que uma exigência, é uma necessidade. E como o governo não demonstra interesse em avançar no tema, cabe a nós colocá-lo em pauta.

LInks e referências:

Constituição da República Federativa do Brasil - 1988