Há no
Brasil um tema de substantiva importância que ainda se discute pouco, ou, pelo
menos, ainda está bastante ocultado e não alcança a dimensão que lhe
corresponde: a questão da mídia, da concentração midiática e da imperiosa
necessidade de democratização dos meios. Essa discussão certamente toca em
diversos interesses corporativos, de classe, portanto. A ausência desse debate
compromete decisivamente uma efetiva e ampla democracia, uma vez que a
informação, tanto em sua produção quanto no acesso a ela, é algo essencial para
o desenvolvimento de uma sociedade efetivamente democrática no sentido lato do
termo. Nessa discussão algo relevante é perguntarmos sobre a origem e a
constituição dos meios de comunicação, que se transformaram em verdadeiros
monopólios e/ou oligopólios, respondendo, assim, não à diversidade de opiniões
e à pluralidade de vozes, mas a interesses das classes dominantes. Isso se
evidencia, e mesmo se agrava, com as relações estreitas entre as maiores
corporações midiáticas e governos ditatoriais. Um caso emblemático do que
dizemos é a conhecida associação entre o magnata da comunicação Roberto Marinho
e o governo ditatorial brasileiro, além das inúmeras irregularidades prováveis
no processo de concessão da emissora. Outros veículos também mantiveram
relações estreitas com a ditadura e serviam mesmo como veículo da propaganda
oficial de “combate ao terrorismo” (leia-se oposição à ditadura). A maior parte
da imprensa brasileira foi conivente com a ditadura e serviu de veículo
condutor da sua famigerada e genocida política de segurança nacional, a tal
ponto de que há diversos relatos históricos (escritos e/ou narrados) que
atestam que jornais paulistas cediam seus carros para que o aparato repressor
realizasse prisões arbitrárias e seqüestros. Nesse cenário, as concessões de
radio e TV, as publicações de jornais e revistas foram concentrando-se cada vez
mais em figuras e famílias que se dedicavam a defender a ditadura e combater o
“comunismo”. Uma visita ao acervo
histórico da revista Veja, por exemplo, deixa evidente a ode que este meio
fazia aos ditadores e o ódio de classe para com os trabalhadores e movimentos
de resistência. Essa concentração midiática, porém, ultrapassou os limites da
própria ditadura. Findando-se o dia ensangüentado que durou 21 anos, retornando
a democracia política, permaneceu, porém, a ditadura da informação, ou seja, os
meios de comunicação não sofreram os efeitos da democratização, permanecendo
concentrados em grupos de famílias e mantendo o monopólio da informação. Mesmo
a nova e atual Constituição Federal de 1988 não modificou substancialmente a
estrutura comunicacional e midiática no Brasil. No entanto adverte que “Os meios de comunicação não podem, direta
ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” (Art. 220, II, §
5º).
Esse
cenário não é endêmico do Brasil, mas é sabido que em toda parte a grande
imprensa hegemônica é composta por corporações monopólicas. Um país onde o
enfrentamento dessa questão vem dando-se seriamente é o nosso vizinho: a
Argentina. Notadamente um líder no que se refere à políticas de direitos
humanos na região, também decidiu-se fortemente por uma política de democratização
dos meios de comunicação audio-visuais. Duas medidas acertaram em cheio os
interesses do maior grupo midiático argentino, o Grupo Clarín: a proposição e
aprovação da Ley de Medios e a retomada pelo Estado da empresa Papel Prensa,
responsável pela produção de papel jornal. Essa medida do governo kirchnertista
vai absoluta e profundamente de encontro com os interesses econômicos do
Clarín, que viu nessas medidas a perda de seus privilégios, o que, de pronto,
resultou numa atitude militante oposicionista em relação aos Kirchner, primeiro
Nestor, e agora Cristina. A tergiversação é, quase sempre, a linha editorial dos
meios audio-visuais e escritos do grupo. Ler um fato no Clarín ou La Nación , pertencentes ao
mesmo grupo e lê-lo em outro jornal como o Página 12 demonstra um abismo
profundo. O modo como alguns jornalistas, que se classificam independentes (como
se fosse possível), se referem ao governo e à pessoa de Cristina demonstram até certa hostilidade. Tentam, a qualquer custo,
fazer crer que a Argentina está sob um governo autoritário que não respeita a
liberdade de imprensa. Mas o fato é que a maioria esmagadora dos grupos
midiáticos, inclusive alguns sócios do grupo Clarín em empresas de TV a cabo,
apresentaram seus planos de adequação. O Grupo Clarín está praticamente só,
contra a Ley de Medios. Daí pode-se concluir facilmente que, em definitiva, não
é um ataque à liberdade de imprensa, mas uma política de democratização da
produção e acesso à informação. Reiteradamente o Clarín recorre à SIP
(Sociedade Interamericana de Prensa/Sociedade
Interamericana de Imprensa) para que advogue pela liberdade de imprensa na
Argentina. Porém, há que esclarecer que a SIP não é uma entidade de defesa da
liberdade de expressão, uma entidade de jornalistas ou um órgão das Nações
Unidas para o tema. A SIP é apenas e tão somente uma entidade que associa os
donos dos jornais escritos das Américas, em outras palavras, os donos dos
monopólios e/ou oligopólios da comunicação impressa. Resulta de fácil conclusão
que quando a SIP se pronuncia não busca, verdadeiramente, defender a
pluralidade e a liberdade de imprensa, mas os interesses corporativos de seus associados.
Nesse sentido, as similaridades que se podem observar na postura clarinista e
na postura dos meios dominantes brasileiros com relação ao governo não são mera
coincidência, mas uma posição política e ideológica muito bem definida, e que
representa a classe dominante latinoamericana, que se beneficiou das políticas
liberais e neoliberais e que não tolera as mínimas mudanças que vêm acontecendo
na região nos últimos anos.
Personalidades
como Julian Assange, fundador do site Wikileaks, Frank La Rue relator especial para a
Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão (ONU),
corroboram a tese de que é necessário superar a mentalidade mercantilista da
comunicação e a concentração do mercado midiático e garantir o direito às
mídias não corporativas, e, portanto, fora do espectro da classe dominante, com
suas culturas e identidades. Para uma democracia de fato, que vá além do
institucional, a democratização dos meios é mais que uma exigência, é uma
necessidade. E como o governo não demonstra interesse em avançar no tema, cabe a nós colocá-lo em pauta.
LInks e referências:
Constituição da República Federativa do Brasil - 1988
Constituição da República Federativa do Brasil - 1988