Acessos

quarta-feira, 27 de março de 2013

O chavismo e uma reflexão sobre a transcendência e a imanência das idéias!!!



Com a morte do presidente venezuelano, Hugo Rafael Chávez Frias, logo surgiu uma questão que de imediato passou a percorrer os meios de comunicação: qual será o futuro da revolução bolivariana liderada pelo comandante Chávez? Alguns meios, apressadamente, como que expressando mais um desejo que fazendo uma séria análise de conjuntura, afirmaram que sem o venezuelano os ideais e políticas bolivarianas de integração regional enfraqueceriam, apostando assim no fracasso do modelo de integração em curso em nossa Pátria Grande. Subitamente as reflexões sobre o futuro do chavismo, do bolivarianismo, tornaram-se temas centrais das discussões políticas em nível mundial.         Essa temática já havia sido levantada, indiretamente, por Nestor Kirchner, ex-presidente argentino, que via um Chávez muito personalista, e esboçava, assim, certa preocupação com o futuro de uma Venezuela sem o companheiro venezuelano. A recente perda desta figura ímpar de nosso macro-continente latinoamericano, e, sem exageros, também ímpar em nível mundial, traz à discussão uma questão marcadamente filosófica sobre a transcendência das idéias, ou seja, quanto uma idéia pode ultrapassar a seu criador e resistir após ele? E se houver resistência, seria isto, também, uma espécie de imanência das idéias? Cremos que para refletir bem sobre estas questões é necessário pensar sobre a natureza mesma das idéias. Nesse sentido uma das contribuições mais clássicas é a de Platão, ao passo que atribui às idéias (ou formas) uma natureza própria, essencial, apartada da realidade material, configurando-se como fundamento mesmo dessa realidade. A independência das idéias criou certa dificuldade para a compreensão da interdependência que, cremos, existe entre o ideal e o concreto. Uma abordagem que parece colaborar para compreendermos esta inter-relação entre o concreto e o teórico é a filosofia da ciência de Thomas Kuhn em sua Estrutura das Revoluções Científicas. Nessa obra KUHN estabelece uma relação cíclica na qual se insere a teoria científica como verdade relativa; a estrutura é relativamente simples: há um primeiro momento de curiosidade, de pré-ciência, que motiva a pesquisa que culmina numa teoria que se configura como paradigma, como ciência normal; as hipóteses desse paradigma são constantemente verificadas, de modo que em algum momento surge um elemento novo que o põe em cheque gerando uma crise, que por sua vez é superada por uma mudança do paradigma científico, numa verdadeira revolução, que vai estabelecer um novo paradigma, uma nova ciência normal, que por sua vez entrará, novamente, em crise e impulsionará todo o processo cíclico e dialético da ciência.         A essa estrutura compreendida pelo filósofo da ciência nos arriscamos a correlacionar o tema das idéias e das teorias em geral, de modo a entendermos a relação concreto-abstrato como algo dialético. Julgamos importante afirmar esse caráter dialético, sobretudo na sociedade contemporânea, pelo fato de ter-se consolidado uma concepção dualista entre o abstrato e o concreto, que ignora o fato de que nenhuma teoria nasce por geração espontânea, mas como resultado de uma análise crítica, metódica, cuidadosa e profunda da realidade concreta e volta-se para esta realidade mesma. Parece-nos que a filosofia política também o demonstra de modo satisfatório, uma vez que muitas vezes se apresenta normativa, buscando orientar práticas políticas. Com maior ou menor acento a filosofia política aparece, também como teopráxis, ou seja, uma relação interna entre teoria e prática. Um exemplo contemporâneo no campo político-econômico que parece demonstrar o que dizemos é a teoria/ideologia dominante na maior parte do globo: o neoliberalismo; nascido da teoria quase mítica da mão invisível do mercado de Adam Smith, passando pelo monetarismo intelectual e militante de Friedrich Von Hayek e Milton Friedman. Essas teorias - a despeito de sua inconsistência teórica, o que não abordaremos nestas linhas – encontraram um terreno fértil nas grandes economias capitalistas a partir da década de 80’s do século passado e foram adotadas como verdadeiros dogmas e aplicadas rigorosamente. Não nos parece acaso que os Estados Unidos hajam empreendido, nesse contexto, uma verdadeira cruzada anticomunista/socialista, pois se as idéias não influíssem na realidade e não oferecessem elas mesmas uma leitura concreta da realidade, das condições reais materiais de existência, por que se haveria de combatê-las? E é nesse sentido que nossa reflexão se volta novamente para a revolução bolivariana na Venezuela. O projeto impulsionado por Hugo Chávez, apesar de ter sido grandemente ligado à sua imagem pessoal, como não poderia deixar de ser, transformou-se, também e inegavelmente – as multidões nas ruas de Caracas para despedirem-se comprovam isso – em um projeto coletivo, uma idéia transcendente, mas profundamente concreta, palpável, imanente portanto. Quando se fala em chavismo, pensa-se não apenas num projeto ideal, mas também em suas conquistas sociais efetivamente realizadas. Não podemos prever com certeza qual o futuro do chavismo ou do bolivarianismo na Venezuela, mas seja qual for – e esperamos que seja um futuro de resistência e afirmação – será sempre uma síntese entre a transcendência da teoria, do projeto e a imanência das condições reais materiais da existência.