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quinta-feira, 25 de julho de 2013

A ambiguidade da Política!!!


A vida em sociedade é marcada por uma série de fatores e elementos que necessitam de alguma organização a fim de garantir a convivência dos diversos indivíduos que a compõem. Nesse sentido e para responder a esse desafio surgem as teorias contratualistas, destacadamente em Tomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau. Embora a partir de princípios distintos ambos concordam que a sociedade civil se estabelece a partir de um contrato social; para Hobbes o contrato é feito entre os iguais para evitar a guerra de todos contra todos, o que estabelece um poder absoluto que garanta a organização da vida em comum. Já para Rousseau o contrato é feito para garantir a vontade geral, a fim de resgatar e garantir a bondade do estado natural do homem, prejudicada pelo surgimento da propriedade privada; aqui, o soberano é o próprio povo, diferentemente do absolutismo do Leviatã hobbesiano.
No entanto, antes deles, o mundo grego clássico já se debruçava sobre a importância de se dedicar à cidade, à polis, enquanto espaço de vida comum, de tal modo que é então que aparece o termo político, que tem relação direta com o interesse pelos rumos da cidade. O político era exatamente aquele que se dedicava a essas discussões, que participava diretamente; seu oposto era o idiotés, aquele que, vivendo na cidade, pouco ou nada se importava com seus rumos, preocupando-se apenas com seu mundo particular. Nesse contexto, e mesmo num período de crise, filósofos como Platão e Aristóteles desenvolveram, dentro de seus respectivos sistemas, um pensamento político de caráter mais normativo a fim de definir as bases do bom governo.
Essa normatividade, porém, torna-se insuficiente para compreender os fenômenos que permeiam o mundo da política. Já em Maquiavel essa normatividade esbarra numa leitura de certo modo pragmática. Em “O Príncipe” Maquiavel aborda as posturas que deveriam ser adotadas pelo governante, não a fim de garantir um modelo ideal, mas a fim de manter certa estabilidade política e social. Para tanto relativiza o comportamento ético do governante em favor de sua capacidade de governar. Isso lhe rendeu uma fama negativa como defensor de uma polêmica sentença: “os fins justificam os meios”. Essa má fama, no entanto, nos parece equivocada, pois, de fato, o momento histórico em que Maquiavel escreve “O Príncipe” é marcado por inúmeros conflitos e instabilidades políticas na Itália. Assim que a proposta dessa obra é como manter a estabilidade política em meio àquele cenário conflitivo. Aqui, talvez, apareça já uma evidência de que a política é ambígua, pois a fim de garantir a governança, a dissimulação seria uma necessidade constante. A despeito de concordar ou não com essa tese, a lógica interna é indiscutível.
O liberalismo também nos leva a verificar uma ambigüidade latente na política. Sobretudo com John Locke, ao afirmar que o papel do Estado, instituição política, é garantir o direito de propriedade individual, estabelece certa tensão entre o bem comum e os interesses particulares. Esse ideário penetrou profundamente no mundo político e social, passando a sustentar a burguesia nascente da Revolução Francesa e estendendo-se longamente até culminar no neoliberalismo, que, em última análise, cremos representar o fim da política, pois se para o liberalismo o papel do Estado é garantir a propriedade, para o neoliberalismo o Estado deveria desaparecer e conceder seus serviços à iniciativa privada (propriedade).
Uma das principais conseqüências do neoliberalismo, e parte mesma de seu ideário, é a despolitização. Essa despolitização favorece um messianismo político que nega a ambigüidade ao pretender uma política “certinha”, ou seja, que funcione linearmente. No entanto, a política não é algo linear, mas o contrário. A política é o espaço do debate, do contraditório e, como diria Hanna Arendt, das impossibilidades; na política podemos esperar tudo e nada. Se não há padrão, então como pensar a política?
Cremos que uma das primeiras coisas a fazer é nos desvincular do messianismo político. Não há puritanismo. O que podemos e devemos fazer é avaliar com seriedade e profundidade os discursos e as práticas políticas, tendo plena consciência de que são ambíguos. No entanto essa consciência não nos impede de ter e nos pautarmos por ideais políticos a fim de estabelecer um critério que nos permita perceber o que possibilita, na prática, um maior bem comum, e este maior bem comum é ele mesmo um critério de avaliação. Dessa forma é que poderemos avaliar mais coerentemente as implicações políticas e sociais de discursos e práticas políticas que se caracterizam por serem oligárquicas, de conciliação de classes ou de rupturas com as classes dominantes; cada uma dessas tendências gera graus distintos de bem comum. Há algumas variantes que devemos observar. Grupos oligárquicos que disputam o poder transparecem sua ambigüidade no discurso, pois enquanto seu discurso tenta travestir seus interesses como interesses gerais do povo, sua prática é sempre voltada para os interesses das oligarquias, e nesse sentido é coerente com suas teses; os que defendem e promovem verdadeiras rupturas podem, em tese, ser mais coerentes no que se refere ao bem comum, sem, todavia, deixarem de ser ambíguos, podendo não corresponder às expectativas de ruptura com as elites; os que promovem a conciliação de classes, como ocorre no governo brasileiro, são os mais ambíguos, pois tem tanto o discurso como a prática ambíguos, não fazem a ruptura, mas também não defendem vorazmente as oligarquias.
Não poderíamos concluir essa reflexão apontando uma norma para a boa política, exatamente porque cremos nessa impossibilidade. Assim que nos fiamos pela percepção de que a política é um fenômeno ambíguo, mas que nessa ambigüidade não deixa de ser necessário buscar aquilo que é fundamental para a boa política: o maior grau de bem comum.