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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Big Bang, Evolução e Criação!!


As divergências entre ciência e religião estiveram sempre presentes na história, sobretudo a partir do ideário iluminista moderno que, por assim dizer, dessacralizou o homem e o mundo. A ciência experimental rompeu com vários paradigmas religiosos que, até então, tutelavam quaisquer pesquisas. Um dos temas fundamentais onde transparece essa tensão é o tema das origens, a arché. Cotidianamente, teorias mais coerentemente aceitas no mundo científico e intelectual ainda enfrentam certa rejeição ou uma significativa desconfiança por parte dos pensamentos religiosos, como é o caso das teorias do “Big Bang” e do Evolucionismo.
Essa rejeição foi alvo de um artigo publicado na revista Scientific American, que citando uma pesquisa realizada nos Estados Unidos constatou que mais de 50% dos estadunidenses comuns pesquisados (fora do meio acadêmico e científico) não creem nas teorias científicas citadas acima, por destoarem da versão bíblica de Criação. Desse percentual a maioria constitui-se de protestantes conservadores e fideístas, seguidos por um índice menor de outros grupos religiosos. O que vale destacar é que essa discussão vem se desenvolvendo a partir de premissas falsas que, por conseguinte, a invalida por inteiro; a saber: afirmar que a verdade depende de um princípio ou puramente religioso ou puramente científico.
Um fato histórico interessante para entender essa relação e apontar para a necessidade de distinção principiológica entre ciência e religião é o processo sofrido por Galileu Galilei. Sendo um defensor da teoria heliocêntrica de Copérnico, diametralmente oposta à teoria vigente até então, e com paralelos bíblicos, do geocentrismo ptolemaico, teve de se apresentar perante o Tribunal do Santo Ofício para explicar suas idéias. Conta-se que em sua defesa demonstrou profunda consciência de que religião e ciência partem de pressupostos diferentes, sem que, contudo, tenham de negar-se, e fez isso afirmando simplesmente que a Bíblia não é um livro científico, mas de revelação. Isso significa dizer que as verdades bíblicas não precisam ser, necessariamente, fatos concretos, ou cronologicamente precisos, pois sua intenção literária e o princípio presente em seus escritos não é descrever a história de modo científico, mas de modo teológico. Afirmando que as histórias bíblicas são teológicas, são revelação, teremos de admitir, também, que essas histórias são basicamente histórias de fé, ou seja, uma história tipificada, e portanto, limitada ao que pretende.

O que fica latente é que a velha tensão entre fé e razão ainda está posta, e esbarra, a nosso ver, nos dogmatismos, tanto científico quanto religioso. No entanto, devemos lembrar, também, que existem posturas conciliatórias, de contribuição mútua para travar um diálogo franco entre religião e ciência, como encontramos na Carta Encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II, e em algumas declarações de Albert Einstein. A ciência trata das evidências, e a religião se volta para o lado mistérico da realidade, cumpre, então, não negar as evidências, e, ao mesmo tempo, um abrir-se ao mistério.
A recente teologia cristã da Criação – ao menos a de confissão católica romana – não trabalha mais com a noção antiga de que o mundo fora criado tal como o encontramos hoje, ou que os seres foram criados “formalmente”, mas tem apontado para uma direção que procura evidenciar o princípio teológico contido na narração bíblica, a saber: que Deus é Criador, mas que o modo como cria não exige uma correspondência fato-texto.
Essa compreensão básica de que ciência e religião têm princípios e intencionalidades distintas, pode apresentar-se como uma relevante contribuição para repensar-se essa sempre tensa e complicada relação, não apenas genericamente – para a ciência ou para a religião – mas para as pessoas concretas, ou seja, para os cientistas, intelectuais e religiosos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os donos do mundo e a crise capitalista!!

Parece-nos que o momento atual de crise econômica não pode ser compreendido como um evento distinto daquele ocorrido em 2008. Esse período inicial de crise, comparado à grande depressão de 1929, foi, talvez, rasamente analisado, de modo que as medidas adotadas para solucioná-la basearam-se na própria causa do problema: o neoliberalismo. Alguns noticiários e especialistas chegaram a levantar, como questão, se o neoliberalismo não estava chegando ao fim, num momento de declínio.  O fato é que verificou-se, pelo contrário, um aprofundamento dessa doutrina, dessa ideologia, que não mais defendia apenas o Estado mínimo, mas o socorro do setor privado pelo Estado, numa lógica sem qualquer fundamento, uma vez que consiste em que o setor privado acumula prejuízos que deveriam ser reparados pelo Estado. Acontece que tentar resolver a crise do capitalismo, em seu estágio neoliberal, com mais neoliberalismo não resultou, obviamente, na solução, mas num ligeiro adiamento do agravamento da crise, a que estamos assistindo nos últimos dias, o que tem assolado vários países, sobretudo no chamado mundo desenvolvido, destacadamente na União Européia e nos Estados Unidos.
O que soa absurdo é que a estabilidade ou instabilidade mundial passam a depender única e exclusivamente do que digam os “gurus” da economia global, as agências de avaliação internacionais, que têm o poder de definir os rumos da economia dos países que, em nome do mercado, aderem às políticas econômicas de ajuste, com a finalidade de tranqüilizar investidores, donos do capital. Em outras palavras, as ações dos governos passam a ter em conta não os interesses nacionais, mas as orientações de instituições que representam interesses privados. Assim, essas instituições e agências de avaliação, que são nada mais que oligopólios empresariais, fazem sua análise, particular e de acordo com seus interesses, de risco dos países não conseguirem pagar suas dívidas, e emitem uma avaliação que pode alvoroçar todo o mundo. Segundo a Folha de São Paulo (Segunda-Feira, 08 de Agosto de 2011, Caderno Mundo, pg. A10) esses oligopólios representam 95% do mercado global. Há uma preocupação desses grupos, representados pelas agências Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch’s, não com um prejuízo real, mas com a possibilidade de diminuição dos seus lucros, o que as faz rebaixar a nota de confiabilidade em determinado país. Fica evidente que os governos se veem num conflito que, de fato, exige uma firme tomada de posição, pois que verifica-se uma oposição radical entre os interesses das oligarquias e os interesses dos povos, das Nações. O capitalismo, sobretudo em sua forma neoliberal, estabeleceu um divórcio litigioso entre a Economia e a Política Pública e Social, pois com a primazia da economia, e em seu benefício, devem-se reduzir os “gastos” públicos. Por isso a crise só é crise quando abala a economia. Falta de segurança pública, precariedade da saúde, educação precária e cara nunca são vistos como crise, porque não afetam a economia capitalista, mas a favorecem. Entende-se, dessa forma, por que os protestos dos estudantes chilenos por uma educação pública, de qualidade, gratuita – que se arrastam há meses - são vistos apenas como protestos, e não como crise sistêmica da educação.
A economia é algo que deve ser repensado, rediscutido. Não é fato de menor importância que os presidentes dos países que compõem a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), na última reunião da organização, em Lima, no Peru, logo após a posse de Ollanta Humala, defenderam a adoção de medidas alternativas e conjuntas para a região, que não sejam aquelas propostas pelos órgãos internacionais que tem interesses corporativos escusos. Nesse sentido, vale recordar o Ministro da Economia argentino, Amado Boudou, que tendo sido, outrora, partidário das idéias da economia liberal, reconstruiu sua concepção de economia ao constatar que a economia isoladamente não corresponde à realidade, pois é na realidade que estão as pessoas reais, algo que as teorias econômicas liberais e neoliberais não têm conta. Há, segundo Boudou, que reaproximar a economia da política. Cremos que dessa forma o crescimento econômico signifique, também, melhores condições de vida para os povos, e não para um pequeníssimo grupo de pessoas. Etimologicamente economia (oikós nomós) significa as regras da casa, ou melhor, o cuidado da casa; cuidar da casa compreende cuidar das pessoas que estão nela. Portanto devemos caminhar para um modelo econômico que redescubra essa dimensão, e adotar medidas que, mesmo consideradas heterodoxas pelos donos do poder econômico mundial, e talvez por isso mesmo, apontem um caminho bastante acertado.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O corpo como concessão e o aborto!


Recentemente vem crescendo no Brasil uma discussão polêmica que envolve a academia, os meios de comunicação e demais setores da sociedade civil, permeada por matizes éticos, filosóficos, jurídicos, culturais de grande relevância. Referimo-nos ao debate travado acerca do aborto e a possibilidade, ou não, de sua legalização. É uma questão que demanda ampla discussão, exatamente por compor-se de visões distintas, heterogêneas e contraditórias entre si.
O argumento principal em favor da legalização do aborto se pauta sobre a afirmação do direito da mulher sobre seu próprio corpo, cabendo, portanto, exclusivamente a ela optar pela gestação completa ou por sua interrupção. De fato, isso encerra algo de verdadeiro que, no entanto, cremos deva ser retificado. Tal retificação consistiria numa compreensão do corpo não como propriedade, como posse, mas como algo que é – embora contingente. Nesse sentido não há posse do corpo; o corpo é algo de necessário à minha existência histórica.
É a própria natureza que se encarrega de fornecer e de garantir a possibilidade da existência, de dar forma a aglomerados de moléculas de carbono, de maneiras tão distintas quanto são os seres vivos. Assim, o corpo como propriedade, como posse, só pode ser compreendido como o sendo da própria natureza e não dos seres particulares. 
O homem é um ser de natureza distinto de todos os demais por sua consciência, por sua racionalidade, porém, sujeito a toda dinâmica que lhe foi inscrita pela própria natureza. Nascimento, crescimento e morte são, naturalmente, independentes da vontade humana; no entanto parece haver uma retomada, inconsciente ou não, do ideal baconiano de dominação da natureza, inclusive no tocante a esse processo vital. O homem contemporâneo parece não ter mais como razoável que ainda haja processos naturais os quais não conseguiu dominar.
Há, assim, uma certa inconformidade com a natureza, e quando não se é possível dominá-la, esforça-se por tentar “ludibriá-la”. Queremos dizer com isso que o homem tem procurado, consciente ou inconscientemente, negar a naturalidade. A grande expansão do mercado estético no mundo contemporâneo é emblemática nesse sentido.
Abre-se novamente o horizonte para discutir a noção de corpo como propriedade, pois o ideal é, agora, “ter” o corpo que se “quer”. Não se pode deixar de apontar a proximidade desse tipo de pensamento com o liberalismo clássico, e nem poderíamos, pois que esta postura contemporânea está ideologicamente determinada pelo neoliberalismo. É corolário dessa ideologia que a liberdade consiste, ainda, no “laissez faire”, cuja concepção de liberdade tem como premissa a liberdade de possuir, ter propriedade. Tudo é propriedade: eu tenho um corpo; tenho liberdade; tenho igualdade de oportunidade.
Retornemos, então, à questão do aborto. Se o corpo é compreendido como propriedade é preciso afirmar que uma possível gravidez provocará mudanças no corpo, na propriedade. Ora, se a mulher diz: o corpo “é meu”, pode escolher entre manter, ou não, algo que vá alterá-lo significativamente, e assim o pré-embrião, o embrião, o feto, o nascituro podem ser, então, absolvidos ou acusados de violação do direito soberano à propriedade. Dessa forma o aborto se justifica como uma defesa do direito natural de propriedade do corpo. Isso posto deve-se considerar que o que é abortado o é como que por uma sentença dada contra seu crime de atentado à propriedade corporal da mulher.
Se, porém, concebe-se o corpo como aquilo que se é, a compreensão da questão muda consideravelmente. A filosofia concebe o homem como um ser complexo. A Filosofia Clássica o concebe como corpo e alma, matéria e forma...; as filosofias materialistas e existencialistas o concebem como um ser puramente de existência, sem quaisquer elementos metafísicos. O que há de comum é o fato de demonstrarem que o homem não tem corpo, mas que este é parte, complementar para uns e fundamental para outros, da existência mesma dos seres, destacadamente os seres humanos.
O termo é, certamente, insuficiente, mas talvez possamos pensar a corporeidade como concessão da natureza aos seres individuais, e tal deve ser administrada; e no caso humano com aquilo que de mais excepcional a natureza dotou o homem, a razão. É esta “benesse” natural que nos torna capazes de compreender uma gama cada vez maior de fenômenos e processos naturais; no entanto, esse conhecimento não deve, necessariamente, seguir a máxima de Bacon. A natureza não tem de ser dominada, mas em alguns momentos deveria, apenas, ser contemplada, pois, apesar de toda cientificidade moderna e contemporânea, não seria equivocado afirmar que ainda há muito de mistérico, ou no mínimo, de incerto.
Ocorre, pois, que essa concessão traz algumas determinações imutáveis. Quando a natureza define que o indivíduo humano será mulher ele o será por toda a existência, assim como o inverso, o que exige uma auto-aceitação, pois o ser humano não tem um corpo masculino ou feminino, mas, sim, é homem ou é mulher, e cada conformação corporal tem sua dinâmica já definida naturalmente – o que hoje se explica grandemente com o avanço das pesquisas em genética. Coube, por acaso da natureza, às fêmeas de cada espécie de seres vivos – com raríssimas exceções – gestar novos indivíduos entre seus pares, novas existências, o que se aplica, assim, também à mulher.
A lei natural não obriga a fecundação da mulher que, dotada de razão, é livre para optar ou não por ela; inversamente, uma vez fecundada, consciente de seu corpo como concessão, deve perceber-se como sujeito indispensável da dinâmica natural de geração de uma outra existência absolutamente dependente dela. Essa compreensão é capaz, portanto, de permitir um vínculo com essa nova existência em devir na sua própria corporeidade, na sua própria existência. Aí, então, o pré-embrião, o embrião, o feto, o nascituro, não são aqueles que atentam contra o direito absoluto à propriedade corporal, mas seriam aquela existência que realiza a potencialidade única da mulher, que é a gestação e a realização de uma outra existência.
Decorre daí que o aborto se configura como negação à lei natural mesma e não, apenas, à moralidade, ou moralismo conservador e/ou religioso, dado que a natureza lhes é anterior e tem por princípio conservar-se a si mesma antes de quaisquer convenções humanas.