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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ditadura de mercado e pseudo-democracia!!


A maioria da população está acostumada a pensar em democracia apenas nas épocas eleitorais, o que prejudica a compreensão e a discussão sobre o que seria, de fato, uma sociedade democrática. Pensar a democracia neste século é um desafio premente e irrenunciável, uma vez que uma série de ações político-militares têm ocorrido justificando-se como promotoras e defensoras da democracia, combatentes das ditaduras, mas que, seriamente, são altamente questionáveis. Esses questionamentos são necessários pelo fato de se constatar que são utilizados rasa e erroneamente os conceitos de ditadura e democracia. Dizemos que são utilizados levianamente porque vemos que governos eleitos legitimamente são apontados e acusados como ditadores, ao passo que se louvam as dissoluções de governos eleitos como algo democrático. As questões postas são: por que e quem é caracterizado como ditador? E que modelo de democracia se pretende promover? Numa análise simples constatamos que há um perfil e características políticas e econômicas que definem um ditador no discurso dominante. O ditador é sempre algum governante que se opõe às políticas neoliberais do Norte, são médios ou grandes produtores de petróleo e que ainda não são dominados pelos EUA, como a Venezuela e o Irã, por exemplo. É claro que esses países, como o nosso, tem seus problemas, mas em princípio taxar-lhes de ditatoriais é uma leitura rasa, ou melhor, uma estratégia das grandes potências. Essa taxação não é simplesmente uma idéia, mas tem transformado-se corriqueiramente em invasões que se travestem de ocupações pró-democracia, quando na verdade seus interesses são o domínio das reservas de petróleo. Hoje a Venezuela possui a primeira e o Irã possui a terceira maior reserva de petróleo da OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo); juntos somam 37,5% das reservas da Organização. E de acordo com a página de internet da revista Exame (http://exame.abril.com.br/economia/meio-ambiente-e-energia/infograficos/noticias/os-maiores-produtores-e-consumidores-de-petroleo-do-mundo) o maior consumidor são os Estados Unidos, seguidos pelo grupo da União Europeia. Ora, são esses os que vêm reiteradamente acusando os governos venezuelano e iraniano e financiando movimentos insurgentes e golpistas, esforçando-se em convencer a chamada Comunidade Internacional a aceitar a imposição de sanções a esses países. A ONU, principalmente em seu Conselho de Segurança, torna-se uma entidade esvaziada e uma instância de legitimação dos interesses das grandes potências, que ocupam assentos permanentes no Conselho. A lógica é relativamente simples: tenta-se convencer o mundo inteiro de que esses países precisam da ajuda dos “arautos da democracia”, a mídia cumpre sua função de usar repetidamente esses mesmos termos para adestrar a massa e coptar sua consciência, invade-se os países, infere-se em sua organização nacional, instaura-se um governo “de transição” que garanta as vantagens comerciais aos invasores e lhes seja obediente e dependente, como é o caso mais recente da Líbia. Depois, volta-se a um movimento de convencimento de que caiu uma ditadura e foi triunfalmente instalada a democracia. Faz-se importante recordar, a essa altura, que democracia nunca significou a interferência externa nas decisões que dizem respeito àquela sociedade determinada. Nesse sentido vale analisar, agora, o que, paradoxalmente, não figura nos discursos oficiais como atentados às democracias, mas que tem se demonstrado uma verdadeira ditadura: a ditadura do mercado.

Nos últimos dois meses assistimos a exemplos bastante claros de como a economia global capitalista tem subordinado os países, destruindo sua soberania. Fixemo-nos na Itália e na Grécia. Na Itália, nenhum dos escândalos, tanto pessoais quanto políticos, foram suficientes para afastar o então primeiro ministro Silvio Berlusconi do poder, até que o mercado “entendeu” que sua permanência não faria bem à economia, o que o fez apresentar sua demissão e abriu caminho para o novo chefe de governo, Mario Monti, um economista pragmático que já acenou para um aprofundamento dos ajustes ficais e medidas de “austeridade”. O caso grego é anterior e análogo, mas com algo que merece destaque por desnudar a tensão, e mesmo oposição, ente o capitalismo e a democracia. George Papanderou, então primeiro ministro grego, tinha, como tarefa imposta pela União Européia, mais especificamente pelos membros da Zona do Euro, e ainda mais precisamente, pressionado por França e Alemanha, adotar medidas que se impunham como condição para o “socorro” financeiro da Grécia. Porém, Papandreou anunciou que faria um referendo para consultar a população e saber se concordaria ou não com as medidas, e teria proferido a seguinte sentença: “primeiro a democracia, depois o mercado”. Foi o suficiente para que alguns dias depois o primeiro ministro perdesse seu cargo e fosse substituído por um tecnocrata, ex-presidente do Banco Central Europeu, Lucas Papademos, um dos que haviam saído com veemência a negar a realização do referendo. Consultar a população soou para os “gurus” do mercado como uma excrescência sem par. Mas não é isto, basicamente, a democracia: consultar constantemente a vontade da maioria no que se refere ao seu bem e destino comuns? A rejeição do referendo se compreende naquela tentativa de legitimar essas medidas impopulares e destrutivas, como têm apontado alguns sindicatos gregos, pois os que opinariam seriam aqueles que são vítimas da aplicação de um sistema de ajustes que tem provocado efeitos sociais extremamente danosos, como a falta de bens e serviços básicos. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo (Caderno Economia, segunda - feira, 08/11/2011 p. b3) na capital grega há problemas na coleta de lixo, o que tem exposto os cidadãos a riscos de saúde; há pessoas que já não podem pagar suas contas de luz, por não terem mais trabalho, e que passaram a valer-se de ligações clandestinas para ter acesso à energia elétrica domiciliar; há estudantes impossibilitados de comprar livros e outros materiais de estudo; problemas ignorados pelo governo e que têm exigido uma resposta solidária entre os próprios moradores. E como boa parte dos gregos tem consciência que os acontecimentos em seu país têm causa externa - embora conte com a servidão do governo grego – não é difícil imaginar qual seria o resultado do referendo. Na “lógica” do capitalismo neoliberal de mercado é preciso destruir a democracia para criar uma pseudo-democracia e convencer a todos de que é aquilo que não é. Cabe então, desmistificar essa falácia e evidenciar que democracia e capitalismo de mercado são coisas absolutamente distintas e antagônicas.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Por uma consciência histórica do presente!!!


Quando se fala em consciência histórica desavisadamente nos remetemos ao passado, e por isso queremos propor que se faz necessário recuperar uma consciência histórica também do presente. Essa segunda década do século XXI está marcada por uma série de eventos que demonstram um evidente movimento de mudança, ou, no mínimo, de instabilidade e contestação. Longe de ser nociva essa instabilidade evidencia o caráter dinâmico e incontrolável da história, que pode, acreditamos, ser considerada como um constante devir. Acontecimentos como a chamada Primavera Árabe - com seus paradoxos -, o surgimento dos Indignados (sobretudo na Grécia e Espanha), o Occupy Wall Street – que se espalhou por todos os EUA – são emblemáticos no sentido de demonstrar que há uma mobilização popular importante acontecendo, e que apesar de algumas especificidades, há uma demanda comum de fundo, que é o descontentamento com o modelo atual de sociedade, de política, de economia. Nos casos europeus e estadunidense o descontentamento é com o sistema neoliberal que, como já apontamos em outra postagem, tem provocado inúmeros problemas sociais, uma vez que o Estado não garante os bens e serviços públicos, mas o funcionamento e a manutenção do mercado financeiro. No caso árabe o descontentamento é com os regimes autoritários e com a pouca democracia que, supostamente, há naqueles países. Acontece que nesse caso árabe temos de apontar um paradoxo. A ingerência de países ocidentais nas questões nacionais do Egito, Tunísia, Síria, Líbia, entre outros países do norte africano e do Oriente Médio, tem procurado estabelecer o padrão político-econômico e social do que pensam ser democracia, mas deturpando o conceito e as práticas democráticas, igualando-os à noção de livre-mercado, o que de fato é um equívoco e uma instrumentalização da democracia a fim de garantir interesses das nações ricas.

Além disso, o chamado Norte do mundo está atravessando um período de agudização da crise econômica e que vem se desdobrando em crises sociais sistêmicas, mais graves que as dos países em desenvolvimento. Definitivamente a chamada Nova Ordem Mundial, que há muito já era prognosticada como desordem, vem colapsando nos últimos anos e esse colapso é de todo um sistema, de um modelo de sociedade burguês e capitalista. Nesse sentido alguns grupos de mídia que representam esses mesmos ideais e a classe dominante nos países do sul, valendo-nos do exemplo brasileiro, promovem certa banalização desses fatos, que são históricos e relevantes, mesmo ocultando ou tergiversando os conflitos – e suas causas - que se dão nas nações ditas “desenvolvidas”. Isso deve-se ao fato de que aquelas nações são suas referências para uma sociedade que funciona, paradigmática; portanto, seria ruim para seus interesses demonstrar que esse modelo de sociedade não funciona tão bem quanto pretendem fazer crer. Assim, as notícias que nos chegam pela maioria dos meios de mídia, salvo raras exceções, trazem informações superficiais que não transmitem as reais dimensões dos fatos atuais, procurando disseminar um discurso de estabilidade, que na realidade não existe; mas faz isso não negando os conflitos, mas minimizando-os de modo a sustentar, ainda e apesar de todas as evidências contrárias, a superioridade e a “bondade em si” de sua sociedade ideal, ocultando, inclusive, os movimentos políticos de integração como os que vêm acontecendo na América Latina, e especificamente na do Sul, por não coadunar com esse modelo, embora seja o nosso e seu mesmo contexto. Some-se a isso o fato de que a ideologia dominante instalou, exitosamente, a cultura da superficialidade e da efemeridade, o que significa que as pessoas podem receber muitas informações, mas poucas se dão ao trabalho de transformá-las em conhecimento, ou seja, descer mais a fundo nas informações que recebem, criticando-as. É isso que torna compreensível, até certo ponto, o fato de o mundo inteiro ter se comovido com a morte do magnata da Apple, mas manter-se indiferente e mesmo contrário, às diversas manifestações populares que eclodem pelo mundo, e isso talvez seja um exemplo claro do que significa ignorar nosso momento histórico, que seguramente estará logo nos livros de História, mas que não pode deixar de estar inscrito nos livros das nossas consciências hoje.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Novas postagens em breve!!!!

Ficamos algum tempo sem postar no blog por uma série de motivos, mas em breve continuaremos a compartilhar nossas ideias!!

Obrigado a todos que seguem e visitam o blog!!!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Big Bang, Evolução e Criação!!


As divergências entre ciência e religião estiveram sempre presentes na história, sobretudo a partir do ideário iluminista moderno que, por assim dizer, dessacralizou o homem e o mundo. A ciência experimental rompeu com vários paradigmas religiosos que, até então, tutelavam quaisquer pesquisas. Um dos temas fundamentais onde transparece essa tensão é o tema das origens, a arché. Cotidianamente, teorias mais coerentemente aceitas no mundo científico e intelectual ainda enfrentam certa rejeição ou uma significativa desconfiança por parte dos pensamentos religiosos, como é o caso das teorias do “Big Bang” e do Evolucionismo.
Essa rejeição foi alvo de um artigo publicado na revista Scientific American, que citando uma pesquisa realizada nos Estados Unidos constatou que mais de 50% dos estadunidenses comuns pesquisados (fora do meio acadêmico e científico) não creem nas teorias científicas citadas acima, por destoarem da versão bíblica de Criação. Desse percentual a maioria constitui-se de protestantes conservadores e fideístas, seguidos por um índice menor de outros grupos religiosos. O que vale destacar é que essa discussão vem se desenvolvendo a partir de premissas falsas que, por conseguinte, a invalida por inteiro; a saber: afirmar que a verdade depende de um princípio ou puramente religioso ou puramente científico.
Um fato histórico interessante para entender essa relação e apontar para a necessidade de distinção principiológica entre ciência e religião é o processo sofrido por Galileu Galilei. Sendo um defensor da teoria heliocêntrica de Copérnico, diametralmente oposta à teoria vigente até então, e com paralelos bíblicos, do geocentrismo ptolemaico, teve de se apresentar perante o Tribunal do Santo Ofício para explicar suas idéias. Conta-se que em sua defesa demonstrou profunda consciência de que religião e ciência partem de pressupostos diferentes, sem que, contudo, tenham de negar-se, e fez isso afirmando simplesmente que a Bíblia não é um livro científico, mas de revelação. Isso significa dizer que as verdades bíblicas não precisam ser, necessariamente, fatos concretos, ou cronologicamente precisos, pois sua intenção literária e o princípio presente em seus escritos não é descrever a história de modo científico, mas de modo teológico. Afirmando que as histórias bíblicas são teológicas, são revelação, teremos de admitir, também, que essas histórias são basicamente histórias de fé, ou seja, uma história tipificada, e portanto, limitada ao que pretende.

O que fica latente é que a velha tensão entre fé e razão ainda está posta, e esbarra, a nosso ver, nos dogmatismos, tanto científico quanto religioso. No entanto, devemos lembrar, também, que existem posturas conciliatórias, de contribuição mútua para travar um diálogo franco entre religião e ciência, como encontramos na Carta Encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II, e em algumas declarações de Albert Einstein. A ciência trata das evidências, e a religião se volta para o lado mistérico da realidade, cumpre, então, não negar as evidências, e, ao mesmo tempo, um abrir-se ao mistério.
A recente teologia cristã da Criação – ao menos a de confissão católica romana – não trabalha mais com a noção antiga de que o mundo fora criado tal como o encontramos hoje, ou que os seres foram criados “formalmente”, mas tem apontado para uma direção que procura evidenciar o princípio teológico contido na narração bíblica, a saber: que Deus é Criador, mas que o modo como cria não exige uma correspondência fato-texto.
Essa compreensão básica de que ciência e religião têm princípios e intencionalidades distintas, pode apresentar-se como uma relevante contribuição para repensar-se essa sempre tensa e complicada relação, não apenas genericamente – para a ciência ou para a religião – mas para as pessoas concretas, ou seja, para os cientistas, intelectuais e religiosos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os donos do mundo e a crise capitalista!!

Parece-nos que o momento atual de crise econômica não pode ser compreendido como um evento distinto daquele ocorrido em 2008. Esse período inicial de crise, comparado à grande depressão de 1929, foi, talvez, rasamente analisado, de modo que as medidas adotadas para solucioná-la basearam-se na própria causa do problema: o neoliberalismo. Alguns noticiários e especialistas chegaram a levantar, como questão, se o neoliberalismo não estava chegando ao fim, num momento de declínio.  O fato é que verificou-se, pelo contrário, um aprofundamento dessa doutrina, dessa ideologia, que não mais defendia apenas o Estado mínimo, mas o socorro do setor privado pelo Estado, numa lógica sem qualquer fundamento, uma vez que consiste em que o setor privado acumula prejuízos que deveriam ser reparados pelo Estado. Acontece que tentar resolver a crise do capitalismo, em seu estágio neoliberal, com mais neoliberalismo não resultou, obviamente, na solução, mas num ligeiro adiamento do agravamento da crise, a que estamos assistindo nos últimos dias, o que tem assolado vários países, sobretudo no chamado mundo desenvolvido, destacadamente na União Européia e nos Estados Unidos.
O que soa absurdo é que a estabilidade ou instabilidade mundial passam a depender única e exclusivamente do que digam os “gurus” da economia global, as agências de avaliação internacionais, que têm o poder de definir os rumos da economia dos países que, em nome do mercado, aderem às políticas econômicas de ajuste, com a finalidade de tranqüilizar investidores, donos do capital. Em outras palavras, as ações dos governos passam a ter em conta não os interesses nacionais, mas as orientações de instituições que representam interesses privados. Assim, essas instituições e agências de avaliação, que são nada mais que oligopólios empresariais, fazem sua análise, particular e de acordo com seus interesses, de risco dos países não conseguirem pagar suas dívidas, e emitem uma avaliação que pode alvoroçar todo o mundo. Segundo a Folha de São Paulo (Segunda-Feira, 08 de Agosto de 2011, Caderno Mundo, pg. A10) esses oligopólios representam 95% do mercado global. Há uma preocupação desses grupos, representados pelas agências Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch’s, não com um prejuízo real, mas com a possibilidade de diminuição dos seus lucros, o que as faz rebaixar a nota de confiabilidade em determinado país. Fica evidente que os governos se veem num conflito que, de fato, exige uma firme tomada de posição, pois que verifica-se uma oposição radical entre os interesses das oligarquias e os interesses dos povos, das Nações. O capitalismo, sobretudo em sua forma neoliberal, estabeleceu um divórcio litigioso entre a Economia e a Política Pública e Social, pois com a primazia da economia, e em seu benefício, devem-se reduzir os “gastos” públicos. Por isso a crise só é crise quando abala a economia. Falta de segurança pública, precariedade da saúde, educação precária e cara nunca são vistos como crise, porque não afetam a economia capitalista, mas a favorecem. Entende-se, dessa forma, por que os protestos dos estudantes chilenos por uma educação pública, de qualidade, gratuita – que se arrastam há meses - são vistos apenas como protestos, e não como crise sistêmica da educação.
A economia é algo que deve ser repensado, rediscutido. Não é fato de menor importância que os presidentes dos países que compõem a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), na última reunião da organização, em Lima, no Peru, logo após a posse de Ollanta Humala, defenderam a adoção de medidas alternativas e conjuntas para a região, que não sejam aquelas propostas pelos órgãos internacionais que tem interesses corporativos escusos. Nesse sentido, vale recordar o Ministro da Economia argentino, Amado Boudou, que tendo sido, outrora, partidário das idéias da economia liberal, reconstruiu sua concepção de economia ao constatar que a economia isoladamente não corresponde à realidade, pois é na realidade que estão as pessoas reais, algo que as teorias econômicas liberais e neoliberais não têm conta. Há, segundo Boudou, que reaproximar a economia da política. Cremos que dessa forma o crescimento econômico signifique, também, melhores condições de vida para os povos, e não para um pequeníssimo grupo de pessoas. Etimologicamente economia (oikós nomós) significa as regras da casa, ou melhor, o cuidado da casa; cuidar da casa compreende cuidar das pessoas que estão nela. Portanto devemos caminhar para um modelo econômico que redescubra essa dimensão, e adotar medidas que, mesmo consideradas heterodoxas pelos donos do poder econômico mundial, e talvez por isso mesmo, apontem um caminho bastante acertado.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O corpo como concessão e o aborto!


Recentemente vem crescendo no Brasil uma discussão polêmica que envolve a academia, os meios de comunicação e demais setores da sociedade civil, permeada por matizes éticos, filosóficos, jurídicos, culturais de grande relevância. Referimo-nos ao debate travado acerca do aborto e a possibilidade, ou não, de sua legalização. É uma questão que demanda ampla discussão, exatamente por compor-se de visões distintas, heterogêneas e contraditórias entre si.
O argumento principal em favor da legalização do aborto se pauta sobre a afirmação do direito da mulher sobre seu próprio corpo, cabendo, portanto, exclusivamente a ela optar pela gestação completa ou por sua interrupção. De fato, isso encerra algo de verdadeiro que, no entanto, cremos deva ser retificado. Tal retificação consistiria numa compreensão do corpo não como propriedade, como posse, mas como algo que é – embora contingente. Nesse sentido não há posse do corpo; o corpo é algo de necessário à minha existência histórica.
É a própria natureza que se encarrega de fornecer e de garantir a possibilidade da existência, de dar forma a aglomerados de moléculas de carbono, de maneiras tão distintas quanto são os seres vivos. Assim, o corpo como propriedade, como posse, só pode ser compreendido como o sendo da própria natureza e não dos seres particulares. 
O homem é um ser de natureza distinto de todos os demais por sua consciência, por sua racionalidade, porém, sujeito a toda dinâmica que lhe foi inscrita pela própria natureza. Nascimento, crescimento e morte são, naturalmente, independentes da vontade humana; no entanto parece haver uma retomada, inconsciente ou não, do ideal baconiano de dominação da natureza, inclusive no tocante a esse processo vital. O homem contemporâneo parece não ter mais como razoável que ainda haja processos naturais os quais não conseguiu dominar.
Há, assim, uma certa inconformidade com a natureza, e quando não se é possível dominá-la, esforça-se por tentar “ludibriá-la”. Queremos dizer com isso que o homem tem procurado, consciente ou inconscientemente, negar a naturalidade. A grande expansão do mercado estético no mundo contemporâneo é emblemática nesse sentido.
Abre-se novamente o horizonte para discutir a noção de corpo como propriedade, pois o ideal é, agora, “ter” o corpo que se “quer”. Não se pode deixar de apontar a proximidade desse tipo de pensamento com o liberalismo clássico, e nem poderíamos, pois que esta postura contemporânea está ideologicamente determinada pelo neoliberalismo. É corolário dessa ideologia que a liberdade consiste, ainda, no “laissez faire”, cuja concepção de liberdade tem como premissa a liberdade de possuir, ter propriedade. Tudo é propriedade: eu tenho um corpo; tenho liberdade; tenho igualdade de oportunidade.
Retornemos, então, à questão do aborto. Se o corpo é compreendido como propriedade é preciso afirmar que uma possível gravidez provocará mudanças no corpo, na propriedade. Ora, se a mulher diz: o corpo “é meu”, pode escolher entre manter, ou não, algo que vá alterá-lo significativamente, e assim o pré-embrião, o embrião, o feto, o nascituro podem ser, então, absolvidos ou acusados de violação do direito soberano à propriedade. Dessa forma o aborto se justifica como uma defesa do direito natural de propriedade do corpo. Isso posto deve-se considerar que o que é abortado o é como que por uma sentença dada contra seu crime de atentado à propriedade corporal da mulher.
Se, porém, concebe-se o corpo como aquilo que se é, a compreensão da questão muda consideravelmente. A filosofia concebe o homem como um ser complexo. A Filosofia Clássica o concebe como corpo e alma, matéria e forma...; as filosofias materialistas e existencialistas o concebem como um ser puramente de existência, sem quaisquer elementos metafísicos. O que há de comum é o fato de demonstrarem que o homem não tem corpo, mas que este é parte, complementar para uns e fundamental para outros, da existência mesma dos seres, destacadamente os seres humanos.
O termo é, certamente, insuficiente, mas talvez possamos pensar a corporeidade como concessão da natureza aos seres individuais, e tal deve ser administrada; e no caso humano com aquilo que de mais excepcional a natureza dotou o homem, a razão. É esta “benesse” natural que nos torna capazes de compreender uma gama cada vez maior de fenômenos e processos naturais; no entanto, esse conhecimento não deve, necessariamente, seguir a máxima de Bacon. A natureza não tem de ser dominada, mas em alguns momentos deveria, apenas, ser contemplada, pois, apesar de toda cientificidade moderna e contemporânea, não seria equivocado afirmar que ainda há muito de mistérico, ou no mínimo, de incerto.
Ocorre, pois, que essa concessão traz algumas determinações imutáveis. Quando a natureza define que o indivíduo humano será mulher ele o será por toda a existência, assim como o inverso, o que exige uma auto-aceitação, pois o ser humano não tem um corpo masculino ou feminino, mas, sim, é homem ou é mulher, e cada conformação corporal tem sua dinâmica já definida naturalmente – o que hoje se explica grandemente com o avanço das pesquisas em genética. Coube, por acaso da natureza, às fêmeas de cada espécie de seres vivos – com raríssimas exceções – gestar novos indivíduos entre seus pares, novas existências, o que se aplica, assim, também à mulher.
A lei natural não obriga a fecundação da mulher que, dotada de razão, é livre para optar ou não por ela; inversamente, uma vez fecundada, consciente de seu corpo como concessão, deve perceber-se como sujeito indispensável da dinâmica natural de geração de uma outra existência absolutamente dependente dela. Essa compreensão é capaz, portanto, de permitir um vínculo com essa nova existência em devir na sua própria corporeidade, na sua própria existência. Aí, então, o pré-embrião, o embrião, o feto, o nascituro, não são aqueles que atentam contra o direito absoluto à propriedade corporal, mas seriam aquela existência que realiza a potencialidade única da mulher, que é a gestação e a realização de uma outra existência.
Decorre daí que o aborto se configura como negação à lei natural mesma e não, apenas, à moralidade, ou moralismo conservador e/ou religioso, dado que a natureza lhes é anterior e tem por princípio conservar-se a si mesma antes de quaisquer convenções humanas.

domingo, 26 de junho de 2011

Educação na grande mídia: um projeto privado para a educação pública!!

Durante uma semana do mês de maio deste ano o Jornal Nacional exibiu uma série de reportagens sobre a educação brasileira. Visitando cidades de todas as regiões do Brasil procuraram apontar, de seu ponto de vista e, portanto, desde sua ideologia, os caminhos para uma educação que dá certo. Essa série desperta a reflexão sobre o modelo educacional pensado para o Brasil pelas elites, representadas aqui pela Rede Globo. Inadvertidamente qualquer um que compre as idéias e a ideologia veiculada pelo noticiário entenderia que a escola que dá certo é realmente aquela apresentada e desenhada na série a que nos referimos, no entanto, há que olhar bem mais a fundo para perceber a perniciosa proposta que se esconde. De início, queremos destacar que o grande colaborador dessa empreitada foi o especialista em educação, Gustavo Ioschpe, cuja preocupação primeira é a economia, já que é economista e só depois especialista em educação, além de ser articulista da revista Veja, que tem interesses e vieses políticos e de classe claríssimos, à direita. Assim, que as experiências consideradas “bem sucedidas” em educação foram apontadas como aquelas em que a gestão se realiza nos moldes do mercado, ou seja, de modo empresarial, lidando com números e índices, metas, como às que se aplicam à produção de qualquer outro bem. Para melhorar a estrutura escolar e na diversificação de recursos pedagógicos, apontou, com o exemplo de uma escola em particular, a parceria entre escola e empresas, citando as ações da Fundação Roberto Marinho e os materiais do Telecurso. Consideremos ainda que no encerramento da matéria, quem dá a última palavra é um empresário. Pois bem, que há de pernicioso em tudo isso? Vejamos.
Defender parcerias com a iniciativa privada na educação é algo altamente questionável, primeiro, porque a responsabilidade de manutenção dos prédios públicos, onde se compreendem as escolas, é do poder público. Isso abriria um precedente preocupante ao enxergar na educação um campo de investimento numa espécie de PPP (Parceria Público-Privada) que, apesar de alguns matizes, pode ser considerada como certo grau de privatização, e sendo a educação um setor estratégico para o desenvolvimento do país é um equívoco apontar essas parcerias como modelo. Fato é que a parceria com a comunidade local é muito mais indicada e educativa que a parceria com empresas privadas. Nesse contexto a gestão escolar perde sua especificidade e torna-se correlata à administração de empresas. Essa inversão torna o que é próprio do mundo escolar, a educação, o conhecimento – acadêmico ou não – algo como qualquer outro produto, cuja produção pode ser prevista, indicada e medida de acordo com as metas de produtividade. Ora, a educação não é sequer similar a outros bens produzidos e quantificáveis, e exatamente por isso tem-se discutido sobre os critérios de avaliação que compõem índices oficiais como o IDEB – a nível federal – e o IDESP – do Estado de São Paulo. Gerir a educação como se administra uma empresa é um erro, porque a natureza dos bens é bastante distinta na escola e na empresa. Essas “tendências” educacionais exploradas pelos meios de comunicação dominantes, e mais detidamente no caso que abordamos, da Rede Globo, com o apoio de um articulista da revista Veja, demonstram, mais profundamente, além do que aparentam, os anseios da elite brasileira no que diz respeito à educação pública, que deve passar, fundamentalmente, pela qualificação da mão-de-obra, e não pela formação integral e consistente daquele que está estudando. Há uma forte oposição destes setores da sociedade à formação da pessoa, do cidadão consciente e crítico, ao passo que suas abordagens educacionais sempre tendem à valorização, apenas, da formação do profissional qualificado, que, em outras palavras, significa aquele que vai produzir mais. Daí pode-se compreender porque cada vez mais economistas tem se dedicado a falar sobre educação, como é o caso do colaborador da supracitada série do Jornal Nacional, que, como dissemos, é articulista da revista Veja, que deixou muito claro seu repúdio por uma educação que seja capaz de dar criticidade aos alunos das redes públicas, uma vez que em sua edição Nº2158, de 31 de Março de 2010, faz uma preconceituosa e pobre crítica ao ensino de Filosofia e Sociologia nas escolas públicas, a ponto de dizer que essas disciplinas apenas servem para disseminar ideologias com “conceitos rasos e tom panfletário”. Ora, tratar fabril e economicamente a educação, como um meio para a manutenção do status quo da classe que defendem a Veja e a Globo, não é, igualmente, ideológico? Aceitar e divulgar receitas de economistas e empresários para a educação tem uma finalidade que, em síntese, não é a contribuição para a efetiva melhoria da qualidade da educação pública, mas a disseminação de um modelo educacional que atenda não aos interesses da Nação, mas a interesses privados.

Seguem links das reportagens do Jornal Nacional:

E da revista Veja: http://veja.abril.com.br/310310/ideologia-cartilha-p-116.shtml

domingo, 19 de junho de 2011

Influências e ingenuidade (e/ou ignorância) política!

Um grupo de amigos faz surgir, repentinamente, uma conversação sobre política. O arranque da discussão se deu pelas denúncias contra o então Ministro Chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Enquanto uns afirmavam certamente que o ex-ministro era culpado, outros, embora admitissem a possibilidade de sua culpa, não desconsideravam que haveria interesses em sua derrubada, e ainda mais, a origem das denúncias e os meios que a transmitiam. Aparece a idéia de que os que admitiam ao menos a possibilidade de Palocci não ser culpado fossem demasiado ingênuos.  Daí a questão evolui para um âmbito mais macro. Trata-se a questão do Iraque, melhor dizendo, da invasão estadunidense ao Iraque. Uns dizem haver sido um bem, porque, afinal de contas, Saddam Hussein era um ditador. Sequer lembra-se que o pretexto da invasão – a produção de armas de destruição em massa – foi vergonhosamente desmentido, e que fica evidente que o motivo real é a pretensão de controlar territórios ricos em petróleo. Depois o “locus” da conversa volta-se para a América Latina, mais especificamente para uma crítica dos governos da Bolívia, com Evo Morales, e da Venezuela, com Hugo Chávez. Uma manifestação que demonstre uma preferência a Chávez, antes que a Obama, provoca uma surpresa por destoar dos discursos mais comumente divulgados. Logo surgem “argumentos” de que a Venezuela é problemática, que tem um IDH baixo por conta das políticas chavistas. Conferindo os dados oficiais do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é possível constatar que o IDH venezuelano é considerado alto e está a apenas duas posições abaixo do Brasil no ranking de classificação de países. Isso nos faz pensar que há uma grave ingenuidade política e uma suscetibilidade muito grande, e acrítica, ao que vem sendo veiculado nos meios de comunicação, que se arrogam a verdade da informação, mas que a tergiversam e confundem até quem deveria possuir certo grau de esclarecimento e pensamento crítico, que a tomam como verdade, o que de fato não o é.
É evidente que há um descontentamento dos meios de comunicação dominantes, propriedades das elites, com a guinada “à esquerda” na América Latina, e tentam inculcar a ideia de que é algo que só pode dar errado, o que os dados do PNUD contrariam e desmentem, pois a Argentina, governada por Cristina Kirchner, a Venezuela, por Hugo Chávez, o Equador, por Rafael Correa, além do Brasil (ainda com Lula), possuem um IDH considerado alto e a Bolívia, de Evo Morales, possui um IDH médio. Assim, que esse criticismo infundado e infértil merece uma discussão e uma análise mais atenta, que procuraremos abordar uma próxima vez, mas que tem prejudicado imensamente a visão do que está ocorrendo no momento histórico atual da América Latina.

Segue link da página oficial do PNUD com a classificação dos países:

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Liberdade de imprensa...


A Associação Nacional de Jornais (ANJ) outorgou ao jornal argentino Clarín um prêmio por Liberdade de Imprensa, defendendo a tese de que o diário e a imprensa argentina enfrentam um desafio, perante o governo kirchnerista, de fazer um jornalismo independente, de qualidade e não submisso a governos. No entanto, há que compreender o que essa “premiação” significa, por mais que não se tenha tomado conhecimento dele.
A ANJ é uma associação de empresários do ramo jornalístico, e não tem a ver, diretamente, com a atividade jornalística, mas com decisões e normas corporativas, que tem em vista os interesses econômicos dos grupos associados. Assim, que, embora não sendo membro da ANJ, por ser estrangeiro, o grupo Clarín está ligado aos meios de comunicação hegemônicos do Brasil, e de toda a América por meio da SIP (Sociedad Interamericana de Prensa), onde congregam-se os grandes grupos empresariais de imprensa escrita. Nesse contexto, a premiação é uma premiação entre pares, que comungam dos mesmos interesses, o mercado da informação, o que tem visto nas medidas de democratização da informação propostas pelo governo federal argentino, sobretudo na Lei de Meios, uma “ameaça à democracia e à liberdade de imprensa”. No entanto, o que evidentemente se pode perceber é um conflito de interesses, uma vez que as medidas dos governos de Nestor e Cristina Kirchner têm apontado para um projeto mais popular de sociedade e um desligamento da velha tutela e lobby das grandes corporações. Porém, vamos nos deter em um ponto específico. O diretor-presidente de Clarín, Hector Magnetto, quando do recebimento do prêmio, afirmou em discurso que “na Argentina, hoje, importam as conexões e influências políticas e jurídicas, “mas a história me ensinou que para fazer democracia é necessário ter justiça independente e imprensa livre, e esse prêmio de hoje tem a ver com esse requisito básico: a liberdade”. Acontece que esse prêmio não ilustra qualquer real preocupação real com a democracia, uma vez que o passado do diário argentino, assim como de alguns brasileiros, está manchado por uma conivência e mesmo uma prestação de serviços às ditaduras. Quando Magnetto diz que é necessário uma “justiça independente”, por exemplo, não leva em considerção a causa que vem-se discutindo há 10 anos, sobre a apropriação indevida de bebês pela dona do grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble.

A Associação das Abuelas de Plaza de Mayo crê que os filhos adotivos dessa senhora podem ser filhos de desaparecidos políticos e que urge saber sua verdadeira identidade e que ao longo de dez anos a justiça tem concedido privilégios a Herrera de Noble. Assim, que a justiça independente defendida por Hector Magnetto, não tem sido tão independente quando se trata dos meios corporativos, da independência ao poder econômico e mesmo político de grandes empresas. Porém, nenhum comentário acerca desse fato foi feito pela ANJ que, ao premiar o Clarín por “liberdade de imprensa”, ignorou suas influências e sua obstrução da Justiça, uma vez que os empresários proprietários do jornal dificultaram, até agora, o fornecimento de amostras de material genético de Marcela e Felipe Noble Herrera. A última evidente “influência estranha” nesse processo foi a ordem judicial para extração consentida ou compulsiva de DNA, mas limitando a comparação com os dados constantes do banco genético nacional, onde estão informações genéticas capazes de estabelecer relações de parentesco, até uma certa data, e não a todo o banco, numa manobra evidente e preocupante.  Programas de crítica de mídia, como o 6-7-8, da Tv Pública Argentina, demonstram largamente as contradições que se desenrolam em torno da causa Herrera de Noble, que soma já dez anos de impunidade e que passou despercebido à ANJ ao premiar  o diário Clarín. Melhor dizendo, não despercebido, mas simplesmente ignorado por conveniências óbvias. Assim, que o prêmio pareceria mais bem nomeado se ao invés de ser pela “liberdade de impresa” fosse por uma impresa liberal.

domingo, 29 de maio de 2011

“Os indignados” na Espanha: suas críticas e paradoxos!!!


Desde o último dia 15 de maio desencadeou-se na Espanha uma série de manifestações que estão sendo nomeadas, variavelmente, de “Spanish Revolution”, “M15”, “Democracia Real Já”, “Os indignados”.  A despeito do nome que se queira atribuir a este movimento social (não institucionalizado), o que realmente importa é o porquê de sua emergência. O contexto motivador tem origem com a crise econômica desencadeada em 2008 pelos EUA e que assolou todo o mundo. A essa crise houve diferentes respostas. Alguns países emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul (os chamados BRICS), adotaram medidas heterodoxas às propostas pelos órgãos econômicos mundiais. Já outros países considerados desenvolvidos como Grécia, Portugal, Espanha, por exemplo, seguiram fidelissimamente a orientação neoliberal, que, em síntese, traduz-se por uma política de ajustes que implicam, sobretudo, na diminuição do Estado. Essa diminuição, na prática, significa corte de gastos sociais, privatização de serviços públicos. Isso é parte fundamental da atual fase do capitalismo, o neoliberalismo, segundo a qual o Estado não deve, apenas, garantir a propriedade individual, como pretendia o liberalismo clássico, mas aprofunda essa noção de modo que os serviços públicos, que garantiriam o bem-estar social, também se tornem propriedade privada, ou seja, privatizados; a tal ponto que Ronald Reagan, presidente dos EUA nos anos 80 do século passado, chegou a afirmar que não tinha problemas com o Estado, mas que “o Estado é o problema”. Dessa forma o que passa a ter importância primaz é o sistema financeiro que se torna referente para dizer se um Estado (país) é bom ou não para investir, sendo o bom investimento onde o Estado é mínimo. Assim que para responde à crise de 2008 e procurar novos investimentos externos, bem como o auxílio de órgãos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), países como Portugal e Espanha se submeteram incondicionalmente, de sua parte, às orientações e condições de “ajuda” financeira, impostas pelo órgão. Surge, então, o impasse: ceder ao privatismo implica numa diminuição do bem público, na qualidade e quantidade dos serviços públicos. Como o Estado já era pequeno, por ser neoliberal, os ajustes propostos para superar a crise o diminuem ainda mais, o que acaba por provocar uma situação insustentável. E é exatamente aí que eclode o movimento espanhol. Há, agora, um conflito que evidencia que o sistema capitalista, hoje mais que nunca, vai na contramão dos interesses comuns, do bem público, uma vez que defende o bem privado (das grandes corporações) e transforma o bem público em mercadoria, num bem de consumo. Basicamente a partir da juventude, os cidadãos foram expressando seu descontentamento com os rumos do país, e esse descontentamento passa a ressoar à medida que muitos percebem-se também descontentes. Quando começam a tomar consciência de que seus direitos estão postos à mesa de negociação do mercado, que suas perspectivas de futuro são incertas, dão-se conta de que o que está errado é o modelo político e econômico que os fez chegar à situação em que se encontram, e que é necessário organizar-se para pedir por mudanças. Com a ajuda das redes sociais o movimento cresce exponencialmente e se torna uma verdadeira expressão de participação popular contra um modelo intrinsecamente mau e excludente de sociedade. Poderíamos nos perguntar por que um movimento tão intenso e significativo tem tão pouca cobertura midiática, ou uma cobertura truncada? Pareceria confuso entender se não evidenciarmos que os meios de comunicação de que dispomos hoje são, em sua grande maioria, e com maior visibilidade, aqueles vinculados às grande corporações, que defendem e mesmo promovem um projeto neoliberal de sociedade, do qual beneficiam-se. Uma vez que as manifestações espanholas têm como mote evidenciar a insuficiência e incompetência do capitalismo para melhorar as condições de vida digna e garantir equidade e justiça social, resulta óbvio que não se aprofundará a discussão. Assim que temos apenas flashes de notícias sobre o que lá ocorre, uma vez que os meios brasileiros de grande mídia também defendem interesses corporativos; assim que não seria surpresa se muitos brasileiros desconhecessem o que está se passando na Espanha. De tal modo, também, que a imprensa espanhola, por mais que os manifestantes enfatizem que o movimento surgira de maneira espontânea, esforçam-se por tentar apontar ligações entre o movimento e a extrema esquerda e mesmo ao grupo separatista ETA. Com isso querem desqualificar uma crítica popular à estrutura política e social que defendem explícita ou veladamente.

O que me soa curioso, no entanto, é que esse descontentamento do povo espanhol com o modelo, com o sistema não se refletiu concretamente nas urnas nas eleições locais, uma vez que a direita – conservadora, liberal e neoliberal – saiu vencedora. Creem alguns jornalistas e especialistas que isso serve de prognóstico para as eleições gerais e que a maioria dos deputados eleitos sejam direitistas, o que culminaria na eleição de um presidente de direita, uma vez que a Espanha é uma monarquia parlamentarista. O que faria crer à população que a direita romperia com o sistema? Isso parece ainda confuso entender. Outro aspecto que chama a atenção é que muitos jovens manifestantes defendem a tese de que são indivíduos reunidos para protestar. Parece-nos que enfatizar essa idéia de “indivíduo” esvazia, de certa forma, a idéia de cidadão, de um povo que se reúne coletivamente para reivindicar aquilo que é de interesse comum, e não por que diz respeito a um ou outro apenas individualmente. No mais, somamo-nos aos milhares de “indignados” da Espanha por mudanças e ecoamos suas críticas a um modelo ainda hegemônico e destrutivo, como é o atual capitalismo neoliberal, que vem sofrendo resistência de outros “indignados”, como os gregos. A gregos e espanhóis a nossa solidariedade!!!

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Os Estados Unidos e o terrorismo!!


Aproveitando o acontecimento recente da morte do terrorista Bin Laden (fato carregado de questionamentos), queremos fazer aqui uma reflexão sobre algo que poucos estão fazendo nesse momento. O alarde midiático e os festejos estadunidenses encobrem uma questão que deve ser discutida, uma vez que, novamente, os EUA gabam-se de ter tornado o mundo um lugar melhor e mais seguro. Isso contitui nada mais nada menos que uma falácia, um discurso impositivo travestido de democrático. As intervenções estadunidenses nas questões dos países são um verdadeiro atentado à autodeterminação dos povos, além de se caracterizarem por interesses nefastos. A chamada guerra ao terror, declarada por George Bush, antecessor de Obama, após o 11 de setembro de 2001, tinha como pretexto combater o terrorismo. Daí deram-se, a passos largos, a invasão do Afeganistão e depois do Iraque, sob uma falsa alegação da produção iraquiana de armas de destruição em massa. O massacre realizado pelos estadunidenses em terras afegãs e iraquianas tornam evidente a concepção política de que não se pode fazer uma omelete sem quebrar a galinha. Metáforas à parte, é preciso dizer que o terrorismo é condenável, entre outras coisas, por provocar a morte de civis, pessoas comuns. No entanto, se levarmos às últimas consequências esse critério, os EUA também enquadram-se em ações terroristas; oficias, reconhecidas, mas terroristas. Se formos observar alguns fatos históricos do século XX que envolvem os yanques não há nada que justifique sua pose de defensores da democracia e dos direitos humanos. Vejamos.
Na primeira metade do século passado, o trágico episódio de Hiroshima e Nagasaki, destruídas pelas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos da América. Duas cidades inteiras dizimadas com suas populações....milhares de inocentes, sem nenhuma possibilidade de defesa. Na segunda metade do mesmo século o governo estadunodense destaca-se por financiar as ditaduras latinoamericanas, que marcaram de sangue as terras do sul. Os torturadores dos regimes militares espalhados pela América Latina recebiam treinamento de oficiais estadunidenses. Assim que, direta ou indiretamente, os EUA têm culpa na morte de cada um e cada uma que foi perseguido, preso torturado e morto pelas ditaduras. E mais recentemente, no início deste século, vimos as atrocidades cometidas pelos soldados estadunidenses no Afeganistão e no Iraque. Me vem à mente a imagem daqueles civis mortos no Iraque com rajadas de tiros disparadas de um helicóptero de guerra. Pessoas desarmadas, repórteres, crianças... Tudo em nome da democracia? Balela!
Obama apressou-se em dizer que agora, com a morte de Osama Bin Laden, o mundo é "um lugar melhor e mais seguro" e que se fez justiça. Mas que tipo de justiça foi feita? Obama rogou para si o papel de imperador, nos moldes da Roma Antiga, ou seja, aquele que decide sobre a vida e sobre a morte.

Curioso é que apenas por ter sido eleito, Barack Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz (????). E por que recebeu-o? Por promessas não cumpridas como, por exemplo, desativar a prisão de Guantánamo em Cuba? Retirar as tropas do Afeganistão e do Iraque? E agora ainda menor é a possibilidade disso. Quando declara, junto com outras potências do mundo, que Bin Laden era apenas uma peça (e o fazem acertadamente) e que o terrorismo ainda precisa ser combatido (outra tese acertada), pode-se  traduzir: a "guerra ao terror" (ou a busca do controle do petróleo no Oriente Médio, como preferirem) não vai acabar tão cedo (tese no mínimo controversa). Mas isso não é, de verdade, um problema para os EUA, pois ao mesmo tempo que se discute o alto gasto bélico com defesa no pais, movimenta-se um dos grandes mercados estadunidenses: a indústria bélica e armamentista. Assim, que apesar de todo seu discurso pseudo-democrático, os EUA ainda se pautam pela lei do mais forte, que diga-se de passagem, não é a mais coerente, nem a mais justa, mas a menos humana e racional das leis. Todo terrorismo é condenável, inclusive o institucionalizado.

domingo, 3 de abril de 2011

O março infelizmente esquecido!


Contando do último dia 31 de março, há 47 anos membros das Forças Armadas davam início ao que se tornaria o período mais negro da história recente do Brasil: a ditadura militar. A elite brasileira encarara as porpostas reformistas de João Goulart como uma ameaça à ordem, já que pretendia promover mudanças significativas na economia, na educação, na estrutura agrária. Em março de 1964, dias antes do golpe, setores conservadores da sociedade brasileira promoveram a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, onde milhares se reuniram para levantar a voz contra o perigo comunista que, segundo eles, João Goulart representava. Dias depois, em 31 de março daquele ano, os militares saem às ruas, tomam o poder. estava instalado o regime militar que duraria, aproximadamente, duas décadas inteiras.
O regime não tardou a tomar suas providências para governar autoritariamente o país, cassando deputados, dissolvendo partidos políticos, intervindo nos sindicatos. Para além dessas medidas impostas há uma série de atividades "não oficiais" que entram em curso nesse período. É notório que tal intervenção militar na política e na vida dos brasileiros não demorou a encontrar resistência, e, contra ela, o regime agia de maneira impiedosa e cruel. Os grupos de resistência foram rapidamente taxados de inimigos da Nação, comunistas (como se por princípio ser comunista equivalesse a ser mau). Surgem os Comandos de Caça aos Comunistas, as insituições de vigilância das atividades das pessoas, como o DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), a OBAN (Operação Bandeirantes) e vários outros mecanismos de repressão.
O DOPS era, na verdade, como relata Frei Betto em seu livro "Batismo de Sangue", uma sucursal do inferno. Era um dos lugares onde os militares prendiam ativistas políticos de esquerda, contrários ao regime, e lhes aplicavam toda sorte de métodos de tortura, os mais desumanos possíveis, a fim de fazê-los delatar companheiros de resistência, confessar crimes que não haviam cometido... Nesse desesperado anseio de conter os resistentes a mera suspeita, por mais infundada que fosse, era suficiente para que as pessoas tivessem suas casas invadidas, seus pertences revirados, sua liberdade cerceada, seus corpos mutilados. Há ainda um sem número de pessoas que sumiram sem qualquer explicação, e que recentemente tem-se descoberto seu paradeiro, ou melhor, suas ossadas em cemitérios clandestinos. Milhares e milhares de desaparecidos.

De um lado a grande maioria da elite brasileira (que era- e é - a menor parte da população) contenta-se com a "ordem" social garantida pela ditadura militar; de outro, a grande maioria vive acuada, com medo, insegura, sem voz. O único eco de resistência e divergência vinha da atividade de movimentos sociais, de alguns setores progressistas das Igrejas, movimentos revolucionários, que pacificamente ou de maneira armada lutavam contra a repressão.
O que é triste e absurdo no Brasil é que, embora esse cenário seja historicamente recente, há um profundo desconhecimento do que se passou no país há menos de 50 anos. E se não bastasse essa ignorância, quando se trata do assunto trata-se da perspectiva militar de "revolução de 64", o que é um equívoco desmesurado, e que infelizmente se reproduz em alguns livros didáticos. E ainda pior...desde meados dos anos 1980, quando findou-se a famigerada ditadura, nada foi efetivamente investigado, ninguém foi punido. E o Brasil vive a triste amnésia de um período de sua história que deveria estar presente em todas as mentes. Está em discussão a instalação de uma Comissão da Verdade para que se investigue o que aconteceu no período ditatorial. Mas equivocadamente, os responsáveis têm salientado que o papel dessa Comissão não é punir, mas dar o direito, legítimo, de famílias sepultarem devidamente seus mortos. Digo que é equívico não punir porque a ditadura foi criminosa, tornou o Estado criminoso. Alguns militares e direitistas de plantão alegam que se for para punir militares há que punir, também, guerrilheiros. Isso é falácia! As guerrilhas e outras atividades surgiram como resistência ao assassínio, sequestro e tortura institucionalizados no regime militar. Não se pode confundir os papéis. A pequena e débil democracia brasileira não foi entregue deliberadamente pelos militares, mas deve-se, sobretudo, à ação social e política dos movimentos de oposição e resistência; fato que procuram negar.
Na Argentina, que também viveu um período negro como o nosso, há uma política sistemática de investigação e punição dos responsáveis por crimes de Estado no período da ditadura argentina. Há um dia Nacional da Memória em que recorda-se o que passou para poderem dizer que "Nunca Mais!" e pedem juízo e castigo para os responsáveis. Quiçá a integração que o Brasil tem buscado economicamente com países como a Argentina se traduzam também numa integração política, social e cultural, onde se possam aprender mutuamente práticas de justiça para ontem, para hoje e para amanhã.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pão, TV e circo!!


Não raras vezes os meios de comunicação, sobretudo os televisivos, elegem algum evento, geralmente de natureza violenta, a fim de garantir longos dias de cobertura e reportagens. Com o argumento (legítimo), de direito de livre expressão, procuram explorar ao máximo todos os pormenores de casos que, potencialmente, podem gerar alguma comoção popular. Foi assim com o caso Nardoni, e agora, mais recentemente, com a menina Lavínia. Não queremos, de forma alguma, advogar em favor de agressores ou desse tipo de violência, mas queremos demonstrar a perversidade que está por trás da megaexposição desses casos pela mídia. Esses casos são emblemáticos para perceber que há ainda hoje, em pleno século XXI, uma continuação da conhecida política romana do "pão e circo", cuja finalidade era entreter o povo, alienando-o de seus problemas e reais condições de vida. E é bem isso que observamos quando assistimos à divulgação de alguns fatos. Parte-se de uma prerrogativa/premissa verdadeira - a liberdade de imprensa e o direito à informação - para uma prática manipuladora da informação que, mais que isso, transforma-se em espetáculos nos moldes dos que se passavam no Coliseu romano, onde os homens degladiavam-se até a morte, e com feras, enquanto outros eram queimados para servir de luminária aos espetáculos noturnos, assistidos euforicamente pela multidão. De maneira análoga a mídia tem destacado casos que caracterizam-se pela atrocidade, pela violência e, curiosamente, produzem o mesmo fascínio sobre a multidão de espectadores (ou telespectadores). O mundo real tem-se reduzido ao imagético fantástico, de modo que muitos expressam certa indignação e um senso de justiça meramente pontuais. No entanto, essa pseudo indignação e esse senso de justiça são artifícios que fazem com que o povo não perceba as situações de injustiça em que ele mesmo está inserido.
A perversidade de tudo consiste no fato de que esse espetáculo midiático é construído pelos grandes meios de comunicação, que são nada mais que grandes grupos empresariais, e portanto, com interesses de classe. Sim; interesses de classe. A classe dominante/dirigente da sociedade brasileira - e também de outras - apropria-se de eventos catastróficos, violentos, atrozes, que ocorrem, geralmente, nas classes média e pobre. Isso significa que a multidão de espectadores é exposta à sua própria desgraça como um espetáculo, que, paradoxalmente, a torna ignorante de suas reais condições de vida; assim  como alguns gladiadores eram tirados do meio do povo mesmo para divertí-lo. E como era o imperador quem decidia a vida ou a morte dos gladiadores, cabendo aos espectadores apenas assistir, hoje também a massa que se deleita com os espetáculos televisivos, satisfeitos com seu pão, sua tv e diversão, delegam as decisões aos poderosos, isentando-se de toda responsabilidade sobre o que acontece. Mas só há espetáculo para espectadores. Assim, enquanto todos se divertiam assistindo às lutas no Coliseu, os problemas do povo romano continuavam tais e quais. Essa "diversão" entorpecente é a mesma que encontramos naqueles que fixam-se nesses casos mais extremos de violência que se noticiam por semanas...muitos criam inúmeras hipóteses para os casos, mas são incapazes de compreender a sua realidade, uma vez que estão muito ocupados e entretidos com os espetáculos que vez em quando lhes apresentam.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

No máximo o mínimo! - Sobre o salário dos trabalhadores e o dos deputados!


O papel do Poder Legislativo, originalmente, seria o de fiscalizar o Executivo a fim  de evitar os excessos e/ou abusos de poder. Era essa a ideia que permeava o pensamento de Motesquieu quando estabeleceu a teoria dos três poderes. Os legisladores, em tese, seriam representantes do grande soberano: o povo. Eleitos por ele, deveriam representar seus anseios, criar leis que beneficiassem a coletividade do corpo político-social. No entanto, o que se pode constatar, de maneira indutiva - a partir do que acontece no legislativo brasileiro - é que tem-se reduzido cada vez mais o número dos representados, sem que necessariamente se reduza o número dos representantes, uma vez que pode ocorrer até mesmo seu aumento. Como pode então diminuir a represntatividade? Ora, o legislativo tem funcionado, cada vez mais, a partir e em defesa de interesses muito particulares; o lobby é a grande moeda no mercado em que se tranformam as casas de lei, desde as esferas municipais até à federal. Prova disso é que, agora mesmo, por esses dias, o Brasil tem assistido a um episódio de profunda desmesura dos parlamentares e de seu profundo descompromisso com aqueles que "representam", melhor dizendo, foram eleitos para representar: o povo. Seus compromissos com grupos empresariais patrocinadores de suas campanhas e com seus próprios bolsos tornam-se o grande mote de suas atividades parlamentares, quando as têm, e são travestidamente apresentados como interesses da Nação. Evidenciou-se isso nas recentes discussões e nas votações de projetos de lei sobre aumento salarial. Para aumentar os salários do presidente da República, ministros de Estado, parlamentares, sempre com uma média maior que 60% não houve grandes dificuldades. No entanto, quando a discussão se voltou para o salário mínimo, esse de que dependem milhões de brasileiros, as discussões foram longas, incessantes, cálculos e mais cálculos foram realizados e o governo com sua base defenderam um aumento pífio do salário mínimo. Esse cenário de discussões foi, no entanto curioso, pois o partido do governo, que se pretende o Partido dos Trabalhadores, teve de enfrentar uma oposição patronal que, demagogicamente, só por oposição mesmo, e não por convicção, defendia uma contraproposta. Fica claro, agora, o que já estava em 2002: o PT já não é o partido dos trabalhadores. No entanto, ninguém se iluda de que a posição oposicionista do DEM e do PSDB na votação do salário mínimo significa uma real preocupação com a população que depende de salário mínimo, até porque os anos FHC foram marcados por uma forte política de arrocho salarial. Com base em fatos como esses deveríamos nos perguntar se, realmente, podemos dizer que exista hoje uma sociedade verdadeiramente democrática, uma vez que a atual democracia representativa ganha cada vez mais ares de uma oligarquia tirana e dissimulada.

Acesse e veja como votou seu deputado. Você lembra quem ele é nao é verdade?
http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/plenario/resultadoVotacao

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Considerações sobre a fé!


Uma questão que há tempos se discute e que já produziu diversas respostas diz respeito a possibilidade de crescer intelectualmente e ter fé religiosa. Isso se intensificou, ou talvez mesmo tenha sido inaugurado, com o surgimento da Filosofia, que adotou posturas tanto de aproximação quanto de afastamento da religião. Curioso é perceber que uma das mais interessantes e relevantes contribuições filosóficas, a socrática, teve início a partir de um Oráculo, portanto, algo vinculado à religião. É tentando interpretar o que o deus queria dizer pelo Oráculo de Delfos que  Sócrates inicia sua jornada filosófica. Porém, é preciso apontar que existem dois tipos de fé: uma não religiosa e outra religiosa. Segundo alguns filósofos e fenomenólogos da religião, a fé religiosa está ligada ao indivíduo por um ato pessoal de vontade, de confiança ou desconfiança de fundo na realidade. Vale destacar, então, que a fé é sempre algo a que se adere pessoalmente; é sempre a pessoa que escolhe crer ou não crer, e além disso, como crer. A fé religiosa é mais exigente que a não religiosa pelo fato de compreender em seu conteúdo elementos sobrenaturais, intangíveis. A gorosso modo pode-se pensar que exatamente por conter esses elementos a fé religiosa seria estática, no sentido de dever ser aceita passivamente. Uma citação de um importante pensador cristão (não estou certo se é Sto. Agostinho ou Sto. Anselmo), demonstra que não é suficiente repetir ou aceitar a fórmula da fé, mas é preciso compreendê-la ao delcarar: "credo ut intelligam" ("creio para entender") e há outro princípio relevante na teologia cristã: "fides quaerens intellectum" ("a fé que busca compreender"). Dessas citações inferimos que a ideia de fé estática não abarca a realidade mesma do que seja a fé, ao menos do ponto de vista da fé cristã, que valoriza a racionalidade. E a fé religiosa necessita da racionalidade exatamente porque necessita de uma compreensão principiológica, arquetípica. Nesse estágio é que, talvez, comecem a aparecer os problemas, pois há uma certa distinção entre o princípio religioso e a institucionalização da religião. Com a institucionalização começam a surgir as regras que nem sempre estão ligadas ao princípio fundamental da fé religiosa, mas que tende para a organização da instituição, o que a relfexão, a crítica passam a evidenciar. Um caso emblemático ocorreu com o Cristianismo do século IV. Visto como um movimento religioso marginal foi perseguido sob diversos imperadores, até a promulgação do chamado Edito de Milão em 313, por Constantino e o Edito de Tessalônica em 380, por Teodósio, terminando com a perseguição aos cristãos e abolindo o paganismo como religião oficial do Estado e instituindo o Cristianismo como religião oficial, respectivamente. Com isso o Cristinanismo passa a fazer parte da estrutura de Estado do Império Romano, o que concedeu aos seus membros, especialmente à sua hierarquia, certos privilégios e poder. Essa insitucionalização causou problemas entre os cristãos, pois muitos perceberam que isso promovia um afastamento dos princípios da fé cristã. Como religião do Império o Cristianismo se expandiu, expandindo, também, seu poder. Tal estrutura encontrou seu primeiro grande entrave com o Cisma de 1054, que além de divergências teológicas entre a Igreja do Oriente e do Ocidente, tinha como pano de fundo a questão de poder. No entanto, o maior questionamento que surgiria aparece no século XIII com uma figura amplamente reconhecida: Francisco de Assis. Este jovem aristocrata italiano tornou-se uma das pessoas mais simples que, talvez, o mundo tenha conhecido. Sua vida austera, porém, foi um questionamento duro do Cristianismo católico de seu tempo que afastara-se de seu princípio. De tal modo isso se verifica que ao tentar o reconhecimento de sua ordem, usou como princípios e regras o próprio Evangelho, que foi considerado pela Igreja como muito radical. Para Francisco de Assis a fé estava acima da instituição, mas nunca desligou-se dela, crendo que ela mesma fazia parte de sua fé. No século XX a chamada Teologia da Libertação, surgida na América Latina, fez um movimento parecido. Com isso queremos dizer que as críticas à fé religiosa, e sobretudo as que se fazem ao Cristianismo, não se dão no âmbito do conteúdo da fé, mas à sua institucionalização, ao poder e seu mau uso por parte dos religiosos e não da religião em si. Há uma confusão de papéis que identificam a fé com os religiosos. A crítica à fé religiosa deve ser direcionada àquela fé "burra", ou seja, irrefletida, que não busca compreender, que não busca a inteligência e à sua manipulação, pois a fé religiosa encerra uma racionalidade que deve ser explorada, mas que, como dissemos, ainda depende de uma atitude de confiança ou desconfiança de quem se debruça sobre ela como questão; e daí abre-se o caminho para a filosofia e a fenomenologia da religião para os que se enquandram no segundo caso e a teologia para os que se enquadram no primeiro.